Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 1302/1970.

As meninas se dividem em dois tipos: aquelas que já sabem e aquelas que ainda ignoram que ser menina é algo transitório. As que ainda ignoram passeiam despreocupadas, sem pernas; as que já sabem andam ciosas de suas pernas, e dão pulinhos para que a minissaia balance.

As outras, as mais velhas, ficam lendo revista de graça no jornaleiro. Leem Cláudia, Manchete, Desfile, tudo de graça. Enquanto isso, a menininha de 14 anos passa graciosa, nariz arrebitado, vestida pobremente: em sua carteira de couro ela guarda um retrato de Chico Buarque de Holanda.

Há também um homem sério, de cabeça orgulhosa, sobre o qual, no fim da vida, se abateu a História com todo o seu peso. Diminuído, mas orgulhoso, ele passeia de paletó amassado, com os olhos muito brilhantes e autoritários atrás dos óculos.

Todos atravessam a rua no trecho mais perigoso. Todos, sem exceção: as crianças, as mulheres e os homens. Os ônibus freiam, os automóveis diminuem a marcha. A indisciplina dos transeuntes gera uma espécie de ordem.

Na varanda — o correto seria terraço — nós flertamos com as moças que passam. A tarde no Leblon é um ir e vir de moças, sem fim. Passam babás de uniforme imaculado, conduzindo bebês de olho azul. E com todas nós flertamos — não é bem flertamos, para todas, nós temos um gracejo. Olha que mãe bonita que aquele garoto tem. Olha aquela morena lá na outra calçada. Rapaz, olha aquela mulata que entrou na farmácia!

É um entusiasmo mecânico, bem carioca. Se não houvesse mulher passando na rua, o Brasil já estaria superdesenvolvido. O diabo é que você dá uma olhada e lá estão todas aquelas mulheres passando. Assim não vai. É mulher demais.

E finalmente anoitece. Vai dando uma tristeza na gente, né, aquele escurecimento no coração. Os ônibus avançam cheios de passageiros tristes, todos espiando, pela janelinha, a vida que anoitece. Os meninos de bicicleta investem sobre as meninas, para assustá-las. A doida bêbada e furiosa, maltrapilha, grita que ninguém pode mexer com ela não, que ela é do Esquadrão da Morte. Ela é doida varrida, está sempre zangada, se pudesse destruía tudo.

A loja onde ninguém compra está encerrando o expediente. Os bancos fecham, os bons maridos chegam com a pasta debaixo do braço, acompanhados de suas respectivas esposas. Ainda há bons maridos no Leblon.

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