Como boêmio, Leonardo era um clássico meticuloso. Eu estava no princípio da minha mocidade; ele já ia apitando melancólico pelos subúrbios da velhice. Eu era irrequieto e estroina; ele, calmo e ajuizado. Ele era cultor de Rui Barbosa; eu só amava as grandes desintegrações espirituais. Ele usava pincenê; eu usava metade de um pente no bolso. Suas ideias eram compassadas; as minhas eram desmedidas. Talvez por isso fomos bons amigos.
Foi ele quem me revelou o encanto das festas borocoxôs, levando-me aos sábados a vesperais que reuniam as pessoas mais acadêmicas e convencionais de todo este Rio de Janeiro, pintores que se chamavam Amélio e outros nomes esdrúxulos, poetisas gordas e decotadas, pianistas anônimos de atitudes geniais, velhotas dulcífluas que derramavam meia lágrima quando se lembravam do senhor Olavo Bilac. Era a perfeição extrema do mau gosto e da baboseira: nós nos divertíamos a valer.
Leonardo era quem tomava todas as providências para que a matinê não fracassasse. Dia antes, telefonava aos convidados, equilibrava o número de “garotas” e “rapazes”. Aquelas, entre vinte e noventa anos; os rapazes, todos acima de cinquenta cabendo-me a honra da exceção. O preconceito contra a juventude era um dos princípios do pessoal.
Leonardo era minucioso e distinto como um personagem que Machado de Assis desejasse descrever minucioso e distinto. Os homens deviam levar as bebidas: “Três cavalheiros para uma garrafa a fim de não ficar dispendioso e para evitar igualmente que se registre algum excesso condenável” — dizia Leonardo, manso e grave.
Uma vez, confiou-me um segredo: em um boteco de Botafogo, havia um uísque imemorial, de marca já extinta, e que ele estava adquirindo a cem cruzeiros a garrafa. Uma por uma, para que o português não desconfiasse, ele carreou todo o admirável estoque de umas três caixas.
Acompanhei-o uma vez nessa sutil, demorada, maquiavélica, desesperadora, incomparável operação. Leonardo entrou no bar, apertou a mão do português com o mais límpido de seus sorrisos, perguntou-lhe pela família, pelo Vasco, pela política de além-mar, por tudo que pudesse interessar à curiosidade de um bom taberneiro. Tinha um carro esperando-nos, escondido na esquina, mas procedia como se tivesse vindo para passar ali a tarde toda. Só depois de muito tempo indagou, distraído:
— O nosso amigo tem um bom uisquezinho?
— Tenho cá o White Label, o Cavalo Branco, o Black & White...
— Grandes marcas, grandes marcas, suspirou Leonardo; mas hoje em dia só um milionário pode beber coisa tão fina.
— Ainda tenho daquele que o senhor tem levado das outras vezes.
— Ah, sim, soluçou meu amigo, aquele uísque de pobre? É numa hora dessas que penso nas injustiças sociais, seu Joaquim.
— Mas o uísque não é bom?
— Uma cachaça melhorzinha, uma cachaça melhorzinha.
— Mas é barato, doutor.
— Barato?! O amigo está com imaginação de rico. Então acha barato uma garrafinha de cachaça por cem cruzeiros?
— Faço-lhe a noventa, pronto.
Tive vontade de tirar o dinheiro do bolso, pagar logo, ir-me embora, mas Leonardo fez um gesto para que me pacientasse, mudou novamente de assunto, comentou um acontecimento qualquer. Depois pediu para ver uma garrafa de outra marca, acariciando-a com as mãos e os olhos, suspirando: “Isto, sim, é uísque”! Em seguida, pegou com repugnância a marca extinta, a desejada, o “incomparável néctar”, e fez a sua oferta:
— Dou oitenta e cinco.
— Ora, doutor, que diferença irá fazer-lhe cinco cruzeiros?
— Pois faz, seu Joaquim, faz muito.
— Ora, leve, concluiu rendido o dono do boteco, já embrulhando um dos uísques mais puros e suaves de que já provei neste mundo imaturo e falsificado.
À saída, Leonardo sorriu-me discretamente: “Tem de ser assim, meu velho”.
Não por sovinice; o que lhe dava prazer era o trabalho técnico de comprar barato. Fazia tudo por amor à técnica. Ainda nessa mesma tarde, por exemplo, mandou o motorista passar pelo cemitério São João Batista, entrou em uma casa de flores, escolheu minuciosamente um buquê. Estranhei que ele comprasse flores no cemitério para uma festa de gente não muito viva, mas morta também não. Olhou-me com superioridade e experiência:
— É porque sou casado.
— I beg your pardon?
— Claro, velhinho, claro, se sou visto aqui comprando flores, que amiga de minha mulher iria duvidar que não vou a um funeral?