Fonte: O gato sou eu, 8ª ed., Record,  1983, pp. 185-188.

Como sempre, naquela noite os quatro casais se dividiram: as mulheres acabaram ficando na sala e os homens foram sentar-se na varanda. Enquanto dali podiam ouvir a animação delas, pelas vozes que se misturavam, entre risadas, eles acabaram caindo num mutismo de dar sono.

— Como falam — suspirou um, afinal. 

— E todas ao mesmo tempo — acrescentou outro. 

— Assunto é que não falta.

— Empregadas, crianças, vestidos, regime para emagrecer...

— Quando não falam das outras mulheres — tornou o primeiro.

— Ou dos outros homens, por que não?

— Isso só longe de nós.

— Nós, pelo menos, temos coisa mais séria a conversar.

— Que é que você chama de coisa mais séria? 

— Tudo: as notícias do dia, política, essas coisas. 

— Ou futebol. 

— Que não deixa também de ser assunto sério.

Pelo menos mais interessante. 

— Elas só conversam futilidades. 

— Levam horas falando em penteados.

— Imagine se a gente ficasse conversando sobre barba, por exemplo.

— Não rendia nem dois minutos: todo homem faz a barba e ponto final.

— Menos eu — protestou o único barbado da roda.

— E eu — disse outro: — A minha quem faz é o barbeiro.

— Todo dia? 

— Todo dia. 

Os demais estranharam: 

— Por quê?

— Tenho a pele muito fina. Acabo me cortando todo.

— Já experimentou aparelho elétrico?

— Que nada! O que ele deve experimentar é desses descartáveis, uma beleza!

— Eu também tinha esse problema de me cortar, hoje não tenho mais. Depende da hora que você faz: quanto mais cedo, melhor.

— O descartável é levinho, você usa algumas vezes e joga fora.

— E daí? Esquece de comprar outro, não tem com que fazer a barba.

— Já me aconteceu isso: tive de usar o de minha mulher raspar perna.

O barbado tinha sua contribuição a dar:

— Não pensem que meu problema está resolvido só porque uso barba. Dá mais trabalho do que fazer todo dia: tenho de aparar, raspar no pescoço, acertar com tesourinha, o diabo. Se deixar, vira barba de profeta.

— Vou dizer o que você deve fazer — disse o do descartável para o do barbeiro: — Molha antes o rosto com água bem quente e depois...

— O segredo está no sabão — cortou outro.

— O melhor ainda é aquele antigo, em forma de bastão.

Não se encontra mais. 

— Hoje é só creme de barbear.

— Aquele de passar com o dedo é terrível: lambreca o rosto todo e no fim...

— O de spray é pior: parece creme de chantilly.

— Qualquer sabão serve. Desde que a lâmina seja nova.

— Gasto uma de cada vez. 

— Eu uso sabonete comum e nem por isso... 

Cada um já falava sem ouvir os demais: 

— Não uso loção nem talco, essas frescuras. 

— O segredo de uma barba bem feita está em... 

— Pois eu acho que o pincel, sendo pequeno... 

— Experimente passar um dia sem fazer, e depois... 

Todos, entusiasmados, falavam a um só tempo:

Boa mesmo era aquela lâmina de antigamente, chamada Valete.

— É só saber escanhoar: uma vez para cima, outra para baixo.

— De noite já cresceu, tenho de fazer de novo.

— O pior é quando a minha começa a coçar.

— Se não faço todo dia minha mulher reclama, diz que está espetando.

Na sala, as mulheres haviam se calado e escutavam, fascinadas.

fernando-sabino