Fonte: A volta por cima, Record, 1990, pp. 71-74.
A menina já com sete anos — mais do que tempo de aprender as coisas da vida. A mãe se preocupando com a inocência dela:
— Quase uma mocinha e até hoje ainda deve acreditar na cegonha.
O pai era mais realista:
— Que é isso, mulher? Nos dias de hoje? Até parece que você está vivendo no século passado.
— Elas têm esse ar muito sabido hoje em dia, mas, vai ver, não sabem nada. Ou sabem errado. É preciso ensinar as coisas a ela.
— Para mim, ela é que tem coisas para nos ensinar.
E o pai dava de ombros: não via problema algum.
Mas ela via — e acabou descobrindo um livro que vinha fazendo sucesso entre as amigas com o mesmo problema:
— É um livro americano. Foi traduzido com os desenhos do original. Mostra a reprodução das plantas, o pólen que as abelhas transportam. Depois os cachorrinhos fazendo amor, com ilustrações lindas, até chegar no homem, a sementinha que ele põe na mulher. Tudo com a maior delicadeza. Chama-se De onde vêm os bebês.
Animada, ela mandou comprar um exemplar. Era realmente como a amiga dissera — desenhos feitos de recortes de papel colorido, uma graça: o galo em cima da galinha, o pintinho dentro do ovo, depois o bebê se formando no útero da mãe.
Até ela própria aprendeu alguma coisa:
— Sempre pensei que o útero e os ovários ficassem colados um no outro.
A menina esticou o pescoço para ver:
— Que livro é esse?
— Pode olhar, minha filha. Foi para você mesma que eu comprei.
— Para quê?
— Para você ler — e estendeu-lhe o livro.
— Não tem quase nada que ler aí...
A filha folheava o livro, intrigada:
— É história de quê?
— De como nascem os bebês. Pode ler tudinho, você vai gostar.
— É história de criança?
— Em certo sentido, sim. É especial para criança da sua idade. Ensina uma porção de coisas.
— Que coisas?
— As coisas da vida.
— As coisas da vida? Quais são?
— Se eu fosse te ensinar, não era preciso o livro. Ele ensina melhor. Agora vai, que sua mãe está ocupada.
A filha se foi, livro debaixo do braço, aprender no quarto as coisas da vida.
O pai acompanhara a conversa, divertido, escondendo o sorriso atrás do jornal:
— Ela te deixou apertada, hein?
— Absolutamente. Nós temos um relacionamento muito bom.
— Ela deve estar pensando que é bebê extraterrestre, ou coisa parecida.
— Esse livro vai fazer muito bem a ela.
— Quero só ver.
— Pois venha ver, então — algum tempo mais tarde a mulher o chamou, excitada: — Venha ver que coisa mais engraçadinha.
Tomou o marido pelo braço, conduziu-o até o quarto das crianças. Pedindo silêncio, mostrou-lhe a filha, sentada na cama, a folhear o livro para o irmãozinho a seu lado. Embora ele não tivesse nem cinco anos, olhava tudo com o maior interesse e acompanhava atentamente as explicações dela a cada gravura:
— Isto aqui é a sementinha brotando.
— Olha o que o galo faz com a galinha.
Os pais se afastaram, deixando que as crianças aprendessem à vontade as coisas da vida.
No dia seguinte era ele quem convocava a mulher:
— Venha ver só.
Mostrou-lhe o livro que a menina largara em cima da mesa do café, antes de ir para o colégio:
Olha a nossa filhinha, tão inocente.
E exibiu-lhe o livro, página por página. Em cada ilustração a menina havia acrescentado por conta própria, a lápis de cor, caprichosamente desenhados, detalhes anatômicos de fazer corar um frade de pedra, como se dizia antigamente.
Não sendo frade, e muito menos de pedra, ele se limitou a dizer, folheando o livro sob os olhos dela, sem conter o riso ante seu ar escandalizado:
— Não se pode negar que a menina tem talento. Uma artista, a nossa filha, olhe aqui. É o que se chama de criatividade.
Ela recuou, horrorizada:
— Não sei como você ainda tem coragem de rir de uma coisa dessas!
— São as coisas da vida.
No desenho do galo, por exemplo, a menina havia acrescentado o que se poderia chamar apropriadamente de um pinto — um gigantesco pinto. No homem, então, nem se fala. A própria mulher do desenho parecia tão assustada quanto a mãe da artista:
— Onde é que minha filha foi aprender isso!
Outras ilustrações revelavam nos mínimos detalhes que a filha já sabia muito bem de onde vêm os bebês.
— Era o que ela estava ensinando ao irmão — concluiu o pai.
A mulher levou as mãos à cabeça:
— Não diga isso! Não diga que ele viu essa indecência! Onde é que ele está? Meu filho! Filhinho!
E saiu à sua procura. Foi encontrá-lo no quarto dos fundos, com a filha da empregada, mais nova ainda do que ele, mostrando-lhe, ao vivo, de onde vêm os bebês.