Fonte: Caderno B, coluna "O homem e a fábula", Jornal do Brasil, de 26/01/1962.

Frequento bares para trocar ideias com meus amigos. Observo as pessoas que entram e saem, mas sem grande curiosidade. Com a moça loura, porém, tem sido diferente. Na primeira vez, eu jantava sozinho, preocupado com meus assuntos particulares, e mal reparei que algumas pessoas ocupavam a grande mesa diante da minha. Conversavam e bebiam chope. Preocupado em servi-los, o garçom esquecera-se de mim; para chamá-lo, tive que esperar que meus vizinhos fizessem seus pedidos; assim, observei-os. Eram homens e mulheres jovens e esportivos, entre os quais, de perfil para mim, a moça de cabelos louros, quase ruivos. No momento em que ergui a cabeça, como um reflexo desse movimento, ela voltou os olhos na minha direção e me fitou com intensa curiosidade; em seguida, devolveu-me o seu belo perfil. Discretamente, avaliei sua figura. Era toda longa; o mais belo era o pescoço alvo e alto; e também as longas e delicadas mãos que gesticulavam com infinita feminilidade. Muitas vezes, sem chamar a atenção dos seus companheiros de mesa, ofereceu-me os seus olhos, ligeiramente oblíquos, cuja expressão e doçura me causavam uma inexplicável tristeza.

Passaram-se os dias e novamente nos encontramos naquele mesmo restaurante, e na mesma situação; a troca de olhares prosseguiu. Finalmente, uma noite, estando eu na mesa grande, rodeado de companheiros, vi quando ela chegou, acompanhada do mesmo rapaz que não sei se é seu marido, noivo ou namorado, e com outro casal bem mais velho que eles. A posição da mesa, desta vez, não colaborou conosco: ela ficou sentada de costas. E eu, certo do sentimento que nos ligava (uma ternura tranquila entre dois desconhecidos; creio que esta é uma boa definição de flerte), esperei que ela olhasse para trás. Mas como o faria sem despertar suspeitas?

Eles beberam chope e o rapaz já estava pagando a despesa; a moça loura não me oferecera um único, ardente olhar. Olhei fixo para a sua nuca dourada e longa, num apelo mudo, e mais uma vez comprovei aquilo que não me canso de sustentar: as mulheres veem (ou sentem) o que se passa atrás delas. Porque a moça, que estava quieta, começou a conversar animadamente com o seu acompanhante. Depois, num gesto distraído, tirou um brinco da orelha, pousando-o na mesa. Continuou conversando, enquanto erguia a delicada mão para tirar o outro brinco, ao mesmo tempo em que, como é natural, movia a cabeça para o lado contrário ao do brinco que procurava tirar. Nesse movimento, que devia ser rápido, houve uma brusca paralisação: quando seus olhos encontraram os meus. Sorrimos; e ela foi embora.

Nada sei sobre ela. Não sei onde mora. A qualquer momento pode aparecer naquele restaurante, mas só com muita sorte conseguirei estar ali no mesmo instante. Ainda assim, não creio que as circunstâncias favoreçam mais do que a costumeira troca de olhares que me fazem sofrer, docemente, a distância e desconhecimento que nos separam. Deixemos ao tempo e ao acaso transformar, ou não, esse flerte em algo mais sério.

jose-carlos-oliveira