Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. I. p.388.  Publicada, originalmente, em A.B.C, Rio, de 5/10/1918 e, posteriormente no livro Coisas do reino de Jambon, Brasiliense, 1956, p.51.

A República dos Estados Unidos do Brasil teima em cometer todos os absurdos contra as mais comezinhas leis da glória e os mais elementares princípios de sociologia.

As palavras que aqui vão ser lidas, espero sejam tomadas como um respeitoso protesto contra o ato de um homem público do Brasil por quem tenho a máxima consideração.

Trata-se do senhor Nilo Peçanha, cujo talento e cuja operosidade muito admiro. O senhor Nilo, porém, tem o defeito de querer ferir a multidão pela singularidade de seus gestos e estranheza de suas atitudes.

Há no nosso atual ministro do Exterior muito talento, muita vontade de acertar e um grande desejo de ser útil à causa do Brasil; mas a sua mania de aparecer como estranho e original prejudica extraordinariamente as suas grandes qualidades de homem de Estado e de homem inteligente.

Sua Excelência devia, para a nossa glória, já que subiu a posições tão eminentes, coibir-se de semelhante defeito.

Nos lugares que o senhor Nilo tem ocupado, e há de ocupar, o exigido é muita ponderação. Eu nunca seria nomeado ministro, nem aceitaria tal cargo, a não ser no regímen maximalista.

O nosso atual ministro do Exterior, entretanto, que tem disputado tais cargos, não pode ir para eles com ideias de botequim.

O seu ato, admitindo em concurso, para o lugar de terceiro-oficial da sua secretaria, uma moça, aprovando-a e nomeando-a, aberra de todas as nossas concepções políticas e vai de encontro a todos os princípios sociais.

Já de uma feita, houve da parte de uma senhorita pretensão semelhante, para escriturária do Tesouro. O ministro era o senhor Joaquim Murtinho, cujos méritos e adiantamento de espírito não preciso relembrar aqui.

Pois saiba, senhor doutor Nilo, o que fez o ministro: indeferiu o pedido.

O senhor Peçanha ou a sua secretaria devia saber que, nessas coisas, a praxe é estabelecida pelo Tesouro e nunca se a deve desrespeitar, a menos que haja lei clara que a contrarie.

Desde que os lugares públicos, e mesmo os que não o são, mas que naturalmente são destinados aos homens, sejam invadidos pelas mulheres, tal fato irá prejudicar a regularidade da reprodução da nossa raça.

O nosso interesse está em favorecê-la da melhor forma e nunca prejudicar a perpetuidade da espécie humana no planeta.

É sabido que, desde que as mulheres foram, na Europa, chamadas aos serviços exercidos normalmente pelos homens, de ano em ano, as dimensões antropométricas exigidas para os recrutas eram diminuídas. Está isto no Spencer, Introdução à Ciência Social. Favorecer, empregando meninas na burocracia, tal coisa, é um pecado de lesa-humanidade.

A mulher ressente-se muito mais que o homem de semelhante espécie de serviço. O homem é sempre um progresso e resiste, por isso mesmo, a todos os inconvenientes.

A mulher é a conservação e sofre mais por ser assim do que há de mau no sedentarismo de uma mesa de secretaria.

Não é bastante que uma moça papagueie francês ou alemão para ser melhor funcionário que um rapaz. A inteligência da moça é, em geral, reprodutora, portanto muito própria para esse estudo de línguas muito do gosto das repartições catitas, como o Itamaraty; mas nunca é capaz de iniciativa, de combinação de imagens, dados concretos e abstratos que definam a verdadeira inteligência.

Tanto isto é verdade que a candidata do senhor Nilo, na falatina do Berlitz, foi muito bem; mas quando se tratou da simples aritmética caiu n’água e, em direito constitucional, nem se fala.

Não é possível compreender que o empregado de uma secretaria de Estado não saiba nada do nosso direito fundamental e que regula as relações, já não só dos indivíduos, mas dos poderes políticos do país.

A elegância da repartição da Rua Larga, porém, entende as coisas por outra forma.

Desde que por lá passou o pedantismo do barão do Rio Branco, a sua presunção e prosápia, ela ficou assim.

Sua alma, sua palma!

Ao acabar este ligeiro comentário, eu peço licença para lembrar ao senhor doutor Nilo Peçanha que Krafft-Ebing diz, num dos seus livros, que a profissão da mulher é o casamento.

Sua Excelência — eu lhe rogo — antes de tratar de fazer “amanuensas” procure arranjar para as meninas bons maridos, honestos e trabalhadores.

É obra de misericórdia que certamente há de levá-lo ao reino dos Céus.

lima-barreto