Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 18/03/1970.

Parece que os heróis de Sem Destino (Easy Rider) constituem, para a moçada de hoje, um paradigma, assim como aqueles que, comigo, fizeram 20 anos, se identificando com o James Dean, em sua breve e inesquecível carreira.

A nossa era uma juventude transviada. Carentes de amor, no lar e no mundo, nós nos considerávamos diferentes; éramos uma doença; por iniciativa própria nos deitávamos no divã do analista, o que prova nosso desejo coletivo de integração na sociedade. Vivíamos à procura de uma perdida inocência: Marilyn Monroe, a deusa do erotismo, tinha fome de amor espiritual.

Marilyn se suicidou com soníferos, James Dean com álcool e finalmente ao volante de um automóvel. Assim, estava tudo claro: nesse mundo mesquinho, a sensibilidade, a delicadeza, o amor frágil, eram coisas condenadas à morte. Juventude transviada: desviada do bom caminho; sendo o bom caminho a felicidade estúpida da classe média, com suas geladeiras, televisores, fuscas, e uma chatice permanente, entremeada de adultério.

Havia um lado positivo em nosso desespero. Quem procurava o Dr. Freud era, em nós, a suspeita de uma certa irrealidade. Durante meses, durante anos, tratávamos de desentortar a cuca. "Odeio papai, mamäe, o trabalho, o casamento, o dinheiro, os bens de consumo; logo, sou neurótico. Dr. Freud, por favor, ajude-me a fazer as pazes com o mundo…”

Hoje, aos 20 anos, o cara se descobre sem destino. Nossa geração vivia no desespero; a garotada atual se movimenta na desilusão. Cansaram-se os jovens de cortejar a hipocrisia, e agora mandam para o inferno as cidades infernais que vocês(nós?) construíram para eles. Desprezam os bêbados, nos quais localizam a nostalgia daquelas cidades, e fogem para dentro, no embrutecimento nirvânico da maconha.

São os hippies, criaturas sem apego a coisa alguma, mas que fazem a apologia do amor ao próximo e da solidariedade comunitária. Espalham o terror no mundo ocidental, porque estão armados até os dentes… com amor e flores! Tal como os negros americanos, que já nada esperam dos brancos e sonham com uma América negra, os jovens inventaram uma nova forma de viver, ou espécie de suicídio sem escåndalo.

O curioso é que essa filosofia se alastrou por toda parte, como se toda a mocidade se comunicasse por telepatia. Em Londres, em Nova Iorque, no Rio de Janeiro, a maconha substituiu o álcool e o mundo adulto foi deixado em paz.. Não se tem mais ilusões. "Adeus, Dr. Freud; estamos com a cuca em frangalhos, mas é assim mesmo que nós queremos."

Examinemos a situação com seriedade. A opinião madura sabe apenas ridicularizar esses modernos e extravagantes vagabundos — quando não se mobiliza para enfiá-los na cadeia. Poucos são, no entanto, os que procuram compreender o fenômeno. A esses (estou entre eles) ocorre uma pergunta embaraçosa. Eis: suicidio por suicidio,qual será pior? O dos hippies, ou o da juventude transviada? A morte violenta de James Dean ou a suave agonia de John Lennon? O tiro na cabeça, ou a viagem sem rumo e sem estrondo? A guerra declarada contra o próprio ser, ou um pacto de não agressão firmado entre o ego e o id?

Há uns quatro anos publiquei um conto no qual a heroína, mocinha de Copacabana, depois de se entregar a toda espécie de jogo amoroso, tirando disso apenas tédio e nojo,encontra um companheiro igualmente marcado pela solidão e pelo desencanto. Os dois fogem para a selva, para a vida bravia. Na época,eu tinha apenas a intuição desta inquietude que hoje se manifesta como estilo de uma geração.

O problema, pois, é simples e grave. Alguma coisa fizemos para colocar os jovens em situação de suicídio; para que cada jovem se encontre, um dia ou outro, no fundo da desilusão. Portanto, uma atitude honesta de nossa parte seria a confissão de um sentimento de culpa. Como o daquele pai que, perdido o filho no labirinto, lançou pelos jornais esta mensagem pungente: "Situação compreendida e esclarecida. Volte."

 E nós? Quando é que vamos compreender e esclarecer?

jose-carlos-oliveira