Era um bar da moda naquele tempo em Copacabana e eu tomava meu uísque em companhia de uma amiga. O garçom que nos servia, meu velho conhecido, a horas tantas, se aproximou:
— Não leve a mal eu sair agora, que está na minha hora, mas o meu colega ali continuará atendendo o senhor.
Ele se afastou, e eu voltei ao meu estado de vaguidão habitual. Alguns minutos mais tarde, vejo diante de mim alguém que me cumprimentava cerimoniosamente, com um movimento de cabeça:
— Boa noite, Dr. Sabino.
Era um senhor careca, de óculos, num terno preto de corte meio antigo. Sua fisionomia me era familiar, e embora não o identificasse assim à primeira vista, vi logo que devia se tratar de algum advogado ou mesmo desembargador de minhas relações, do meu tempo de escrivão. Naturalmente disfarcei como pude o fato de não estar me lembrando de seu nome, e me ergui, estendendo-lhe a mão:
— Boa noite, como vai o senhor? Há quanto tempo! Não quer sentar-se um pouco?
Ele vacilou um instante, mas impelido pelo calor de minha acolhida, acabou aceitando: sentou-se meio constrangido na ponta da cadeira e ali ficou, ereto, como se fosse erguer-se de um momento para outro. Ao observá-lo assim de perto, de repente deixei cair o queixo: sai dessa agora, Dr. Sabino! Minha amiga ali ao lado, também boquiaberta, devia estar achando que eu ficara maluco.
Pois o meu desembargador não era outro senão o próprio garçom — e meu velho conhecido! — que nos servira durante toda a noite e que havia apenas trocado de roupa para sair.
Encontro com João Leite num bar em São Paulo. Sou apresentado à sua roda habitual de uísque ao entardecer. São seis ou oito, cada um atrás de seu copo. São alegres, parecem bons sujeitos — mas, como de hábito, não chego a guardar o nome, nem sequer a fisionomia de cada um. Quando, mais tarde, me ergo para sair, João Leite me acompanha até a porta, e só então me dou conta de que não me despedi de ninguém.
— Espere um instante.
Volto até a mesa e me despeço, apertando a mão de um por um:
— Até logo. Muito prazer, hein? Até logo. Muito prazer.
João Leite me aguarda junto à porta:
— Que é que você foi fazer?
— Me despedir de seus amigos.
Ele solta uma gargalhada:
— Aqueles não são os meus amigos. Meus amigos estão na mesa ao lado. Aqueles eu nem conheço.
Esses e outros casos são assunto de conversa, ilustrando a minha desastrosa vaguidão, enquanto almoço com Caio Mourão e sua mulher, num restaurante de Iguaba Grande. Eles têm uma casa a cavaleiro do lago, a alguns quilômetros daqui, e vieram em seu carro encontrar-se comigo, que estou apenas de passagem por estes lados.
— Olha que eu sou bem distraída — comenta ela, rindo. — Mas você ganha de mim.
Agradeço, sorrindo modestamente. Não chego a ser um Antônio Houaiss, por exemplo, que já foi atropelado cinco vezes e já entrou pelo espelho adentro na sala de espera de um cinema. Mas tenho feito das minhas por este mundo de Deus e reconheço que sou dos bons.
Ao fim do almoço, me despeço e tomo o meu carro, deixando o casal amigo ainda no restaurante.
Restaurante onde os dois devem estar até agora, vinte e quatro horas mais tarde: isso foi ontem, e somente há poucos instantes descobri que distraidamente havia metido no bolso e trazido comigo para o Rio o molho de chaves de Caio Mourão, largado por ele sobre a mesa. Chaves do carro, da casa, da gaveta, do cofre, da mala, de tudo — são umas oito, de todos os tamanhos. E o chaveiro, de prata, dos mais belos, acredito que tenha sido feito por ele próprio, grande joalheiro que é.