Fonte: A companheira de viagem, Sabiá, 1965, pp. 7-15.
— Aonde vamos, papai?
Seguiam devagar, de mãos dadas, em direção ao túnel. Ele olhou em redor, desorientado.
— Dar um passeio... Vamos passar pelo túnel — resolveu. — A pé, você já passou pelo túnel a pé?
— Não — disse a menina, extasiada. Num passeio com o pai, tudo era motivo de prazer. — A gente pode?
— Pode. Tem um lugar do lado que é para a gente passar.
— De que é feito o túnel, papai?
De que era feito o túnel? Essa era uma pergunta meio tola. Tinha oito anos e parecia inteligente... O túnel era um buraco na montanha, não era feito de nada.
— Ah...
De repente, porém, ela o surpreendeu:
— Túnel deprime muito a gente.
– Deprime? Com quem você aprendeu isso?
— Com mamãe: nós duas andamos muito deprimidas.
Positivamente, a mulher deveria ter mais cuidado com o que falava. O que seria daquela menina, sem ele perto, para... para...
— E por que vocês andam deprimidas?
— Não sei: acho que é porque não temos vontade de comer.
Era preciso falar — e falar com jeito, sem escandalizar a menina, assustá-la para a vida. Não dê motivo fútil — era o que recomendavam. O que uma menina de oito anos entenderia por motivo fútil?
— Você já está mocinha — tentou, desajeitadamente, e não soube continuar.
— Aonde nós vamos, papai?
Saíram do túnel. O melhor era procurar um lugar calmo, sossegado. Uma confeitaria, talvez.
— Você quer tomar um sorvete?
— Mamãe disse que está muito frio.
— Não tem importância — disse ele apressadamente: — Vamos tomar um sorvete.
Satisfeitos ambos com a resolução, entraram num ônibus e saltaram à porta da confeitaria. Ela se deteve junto à vitrine:
— Olha, papai, que bonito.
Era uma horrorosa caixa de bombons em forma de coração.
— Dou de presente, você quer? — e puxou-a pelo braço, em direção à entrada. Dar-lhe-ia tudo que quisesse, como a comprar sua simpatia para o que tinha a dizer.
— Mamãe falou que não posso comer bombom senão não janto.
— Hoje você pode, sim.
A mãe também estava exagerando, oprimindo a menina. Não tinha nada de mais comer um bombom de vez em quando. E aquele dia não era um dia comum — pensou, sem perceber que violentava as regras intransigentes de educação da filha que ele próprio firmara e que a mulher agora não fazia senão obedecer. Oprimindo a menina. Nós duas andamos muito deprimidas.
Pessoas entravam e saíam da confeitaria, movimentada àquela hora da tarde. Moças e rapazes esperavam mesa, conversando em grupos, alguns olharam aquele homem tímido, meio curvado, que entrava com uma menina pela mão. Sentiu-se constrangido no ambiente elegante da confeitaria, sentiu-se velho entre aqueles rapazes de suéter e aquelas moças de calça comprida, como rapazes. Em dez anos a filha estaria assim. Dez anos passam depressa. Dez anos haviam passado.
— Aqui não tem lugar — disse ele, contendo a menina. — Vamos ali para o fundo.
Passaram ao outro lado da confeitaria, de aspecto mais humilde.
— Aqui tem sorvete também. Não está bom?
A menina sacudiu a cabeça, submissa:
— Lá na frente era melhor...
— Lá na frente não tem lugar.
— Mas aqui não tem bombom.
— Ah, me esqueci de sua caixa de bombons! Espere aí que eu vou buscar.
Sentou-se a uma das mesas e ordenou ao garçom:
— Traga um sorvete para esta menina. Que sorvete você quer, minha filha? De coco? Chocolate?
— Milk-shake — disse ela, com displicência, o garçom logo a entendeu. O pai olhou-a espantado:
— Que é que você pediu?
— Milk-shake. Venho aqui sempre com mamãe e ela pede milk-shake.
— Então espera aí direitinho que vou buscar seus bombons, volto já.
Passou à outra parte da confeitaria, dirigiu-se ao balcão:
— Quero aquela caixa de bombons que está ali na vitrine, aquela feia, em forma de coração.
De longe avistou a filha, perninhas dependuradas, a chupar o canudo do refresco, olhos vagos, distraídos, inconstantes — os olhos da mãe.
— Demorei? — e sentou-se ao lado dela.
— Fiquei com medo de você ir embora.
— Então eu ia fazer uma coisa dessas, minha filha, ir embora?
A menina apontou a mesa com os olhos, sem abandonar a palha do refresco:
— Pedi um milk-shake para você.
Ele se ajeitou na cadeira e acendeu um cigarro. Chegara o momento — como começar?
— Você sentiu saudade do papai?
— Não, porque você demorou pouco. Comprou?
— Comprei, olha aqui — e exibiu-lhe o embrulho.
— Vou levar para mamãe — resolveu ela, subitamente inspirada. — Pode?
— Pode — e ele passou a mão pelo rosto, desconcertado. — Um presente seu para ela.
— Meu, não: seu — fez a menina, como a experimentá-lo. Não respondeu. Ela voltara a chupar o canudo de palha, agora soprava para dentro do copo, fazendo espuma no refresco.
— Eu pergunto se você sentiu saudade de mim não foi agora não, foi quando estive viajando.
— Você esteve viajando mesmo?
Meu Deus, como começar? Era preciso começar, já se fazia tarde, o refresco se acabava, em pouco tinha de levá-la de volta para a mãe. Estivera viajando sim, por que haveria de mentir?
— E chegou assim, sem mala, sem nada?
— É porque eu cheguei... Isto é... Olha aqui, toma este outro também, papai não está com vontade — e passou-lhe o copo.
— Assim não janto e mamãe zanga — disse ela, indecisa, a boca a meio caminho do segundo refresco.
— Não tem importância. Diga que fui eu.
Não tinha importância — o importante era dizer, contar tudo, escandalizar, violentar a inocência da menina. Assim recomendavam todos hoje em dia: as crianças devem saber tudo, porque senão inventam por conta própria, e é pior. O que não é capaz de inventar uma criança? Antigamente na escola, entre as amigas, a criança se sentia a única, mas hoje em dia podia-se dizer que era a regra, tantos casais separados! E sacudiam a cabeça, convictos: sobretudo não dê motivo fútil.
— Escuta, minha filha, você é uma mocinha, já deve saber as coisas.
Voltava à fórmula da mocinha. Agora era continuar, custasse o que custasse. Daria tudo para não viver jamais aquele instante. Pensou se não seria bom tomar antes um conhaque.
— Estive viajando sim, mas não é só por isso que não estou morando mais com você. Agora, por exemplo, já cheguei e não vou dormir lá em casa.
— Onde é que você vai dormir?
— Noutro lugar — respondeu ele, evasivo: não pensava em dizer onde estava morando, ela poderia querer ir com ele.
— E quem é que vai dormir com a mamãe?
A pergunta apanhou-o desprevenido, sentiu-se jogado de súbito naquela atmosfera de ansiedade que precedera a separação.
— Me diga uma coisa, filhinha — ele não resistia, e se inclinava, ansioso, sobre a mesa, segurando a mão da filha: — Você disse que vem aqui sempre com sua mãe... Sozinha? Não vem ninguém mais com vocês?
A menina limitou-se a negar com a cabeça, sempre tomando o refresco.
— E lá em casa? Tem ido alguém visitar mamãe?
Desta vez ela sacudiu a cabeça afirmativamente.
— Quem?
Desgarrou os lábios da palha já amassada para responder.
— Vovó.
Ele chamou o garçom e pediu um conhaque. Voltou a acomodar-se na cadeira, perturbado. Não interessava! Tudo acabado para sempre.. Agora restava contar para a filha:
— Sabe, filhinha, você já é uma... Bem, isso eu já disse. Quero dizer o seguinte: você: sabe que papai gosta muito de sua mãe...
Antes de mais nada, deixar bem a mãe: era o que também aconselhavam. Tomou de uma só vez o conhaque e prosseguiu:
— Sua mãe é muito boa, sabe? Muito boa mesmo, gosta muito de você, você deve ser muito obediente e boazinha para ela.
Não, não era isso. Precisava dizer logo, ou não diria nunca:
— Papai gosta dela e ela de papai. Mas acontece, sabe? que ela é muito diferente do papai, gosta de uma coisa, papai de outra...
Motivo fútil. O que não seria motivo fútil?
— Bem, eu e sua mãe gostamos muito um do outro mas eu andava muito cansado, trabalhando o dia todo, sua mãe muito nervosa, nós vivíamos discutindo... brigando...
— Se gostam, por que é que brigam?
Foi a única vez que a menina o interrompeu. Dali por diante ficou calada, olhando para outro lado, e ele prosseguiu como pôde, dizendo: ela não tinha uma amiguinha no colégio? Não gostavam uma da outra? E de vez em quando não brigavam? Pois então? Com eles também era assim. E para viver junto era preciso não brigar nunca, era preciso ser muito bom um para o outro, era preciso...
— Minha filha, você não está me escutando.
— Estou sim, papai...
A menina terminara o refresco e agora riscava distraidamente a mesa com a palha umedecida.
— Que é que estou dizendo?
Ela voltou-se para ele:
Está dizendo que você e mamãe vão separar.
Ele respirou fundo, num misto de angústia e alívio:
— Mas vou visitar vocês sempre...
— Eu sei.
— Posso levar você para passear.
— Sei.
— Posso... Posso...
Ela se levantou, puxando-o pela mão:
— Papai, me leva embora que já está ficando tarde.
— Minha filha — disse ele, confuso e comovido, e não resistiu, tomou-a no colo, abraçou-a com força, enquanto lágrimas lhe enchiam os olhos. Quis falar e as palavras se prenderam num engasgo. Um casal sentado ao fundo da confeitaria, mãos dadas sobre a mesa, voltou-se curiosamente para vê-lo. Ele depositou a menina no chão, sem que ela oferecesse resistência. Chamou o garçom, pagou, reteve a filha:
— Olha, você está esquecendo os bombons.
Saíram, e a menina o conduzia pela mão, como a um cego.