Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 31/12/1984.

— Esta é a última crônica assinada por mim, no JB e em toda parte. A explicação vai em forma de diálogo com o Leitor. Até breve... em outros veículos. — J.C.O. 

 

Leitor Imaginário — Quais os seus planos para 1985?

J. C. Oliveira — Vou me dedicar, com exclusividade, à produção literária, no gênero ficção.

Leitor — Quer dizer que vai publicar narrativas em forma de folhetim. Cada dia um capítulo, como na telenovela. É isso?

Oliveira — Não. Vou deixar de exercer a profissão de Cronista.

Leitor — Deixará de escrever no Caderno B?

Oliveira — Isso mesmo. 

Leitor — Vai mudar de jornal.

Oliveira — Oh, não. Vou deixar de ser Cronista. Nunca mais escreverei crônicas.

Leitor — Ficará desempregado?

Oliveira — Como Cronista, sim. Como jornalista — redator, repórter, copydesk, revisor, etc. — espero que não. Mas tenho a esperança de alcançar a alegria há tanto tempo sonhada — a alegria de ser contador de histórias, unicamente escritor de ficção, sem necessidade de me envolver nas emoções da atualidade, principalmente nas emoções políticas.

Leitor — Vai fugir da raia.

Oliveira — Talvez seja isso: vou fugir da raia. Mas, ao mesmo tempo, tudo farei para não deixar a peteca cair.

Leitor — Você pode viver sem trabalhar?

Oliveira — De maneira alguma. Sempre vivi do meu salário. Vou correr um grave risco, ficando em disponibilidade por livre vontade. Mas confio na transformação acelerada da sociedade brasileira. Tenho condições de sobrevivência nos primeiros meses, no meu modesto padrão de vida. Mas acredito que brevemente estarei ganhando o meu pão, exclusivamente, com o meu trabalho de escritor de ficções.

Leitor — Não acha que está velho para se arrojar, de ponta-cabeça, no Desconhecido?

Oliveira — Nunca é tarde para fazer bobagens... Mas sou otimista. Aos 50 anos, estou naquela que é a flor da idade de um escritor. Acontece, simplesmente, que tenho necessidade de escrever textos longos. E nesses textos longos (contos, novelas, peças de teatro) o meu Ego não aparece.

Leitor — Que história é essa de Ego?

Oliveira — O Cronista, para ser sincero em sua prática, e para agradar a você, Leitor — que é a figura principal em toda essa história... O Cronista precisa ter um Ego bem definido. Não existe crônica impessoal, nem Cronista na terceira pessoa do singular. Na definição objetiva, o Cronista é aquele escritor que sempre diz “Eu”.

Leitor — E daí?

Oliveira — Ora, já faz algum tempo que não me é possível dizer “Eu”, porque “Eu” simplesmente desapareceu de dentro de mim... Já não tenho Ego, nem Superego, nem Sub-Ego (Id)... Só sei contar histórias alheias à minha biografia pessoal... E estou sendo de uma sinceridade espantosa, quando digo isso. É assim mesmo. Foi onde a solidão, disciplinada, e o trabalho inédito na solidão, me conduziram. Tenho algumas histórias inéditas, necessitando de um simples retoque final... E nessas histórias, não há traço, pelo menos visível, da minha biografia pessoal.

E é só por isso que abandono, definitivamente, o exercício da Crônica: porque hoje, quando digo “Eu”, já não me refiro a ninguém... Muito obrigado pela atenção dispensada, querido leitor!

jose-carlos-oliveira