Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 30/12/1984.
— À maneira dos narradores de cordel do Nordeste, hoje digo adeus num acróstico — J.C.O.
Amigo, hoje é um dia muito especial. Mais uma vez, o rio do tempo veio de sua nascente, o Ontem, e outra vez vai desaguar no Amanhã, 1° de janeiro 1985. Nesse afluente da História, o turbulento ano de 1984, fizemos a navegação turbulenta. Você e eu, amigo.
Deste que termina agora, podemos dizer que foi principalmente o ano da insurreição pacífica do povo brasileiro. Foi quando o povo, reunido em multidões na praça pública, arrancou dos políticos a tocha da liberdade e avançou — destemido, confiante, invencível, para o objetivo principal de um povo jovem como este nosso: a união de todos, os mais diversos, sob a bandeira da Nação.
E agora, e finalmente, e graças a Deus, e através dessa insurreição popular pacífica, vamos ao encontro da Nação brasileira. Vamos construí-la na diversidade dos interesses e vamos construí-la na turbulência, porque é assim que se faz a Nação. O espetáculo mais bonito que há para ver neste mundo, atualmente, é o povo brasileiro em movimento.
Unido, reunido, organizado, o povo desmantelou a ordem vigente. E nos escombros dessa ordem anterior, que era injusta por todos os lados, lá vai o povo construir a ordem nova, a Nação brasileira.
Suavemente, alguém se afastará dessa linda batalha. Esse alguém que se dá a conhecer por José Carlos Oliveira. Suavemente, vou abandonar este pedacinho do JB, onde estamos conversando, Você e eu, desde o dia 12 de outubro de 1961... 23 anos, e alguns trocados, de diálogo intenso, variado, controvertido!
Litígio não há. Desavença não houve. Nesses 23 anos, que hoje fecham uma aventura intelectual, o JB me deu inteira liberdade, favorecendo algumas condições para a minha independência. Atravessei uma longa e torva Ditadura sem esconder meu pensamento, nem meus sentimentos, nem minhas emoções.
Entretanto, quando Geisel entreabriu, e quando Figueiredo abriu para valer, aqueles que estavam perseguidos, e com os quais fui solidário (publicamente, por escrito), volveram à superfície dos acontecimentos. E a controvérsia democrática reapareceu.
Isto quer dizer que eu já não era um dos combatentes solitários e habilidosos em face da Ditadura arrogante e desdenhosa. Quer dizer que ficou clara a minha posição, e era a posição absurda. Eu era, e ainda sou, o franco-atirador — aquele que vai à luta empunhando a bandeira anarquista. Ou que não tem bandeira.
Todos tomaram partido. E todos estão certos: é esta a hora de tomar partido. Mas eu não tenho nenhum partido. Quero ser o que sempre fui — escritor, somente existir. Deixarei de ser aquele observador que de vez em quando emitia uma opinião determinada, sobre determinado acontecimento. O acontecimento é que determinava a minha opinião, porque eu não seguia ideologia ou doutrina.
O resultado é que já não tenho nada a fazer neste ofício de Cronista. Qualquer palavra que eu diga agora, há de ferir alguém que eu não pretenda ferir. Porquanto não pretendo ferir ninguém, quando observo um acontecimento e digo o que penso dele. Mas minha palavra fere, mesmo que eu não queira. Devo abdicar dessa palavra desferida — a palavra do Cronista.
Respeito todos aqueles que vão, legalmente, às lutas político-partidárias previstas, e consentidas universalmente, para o ano que se inicia.
Estou convencido de que o povo brasileiro vai inventar uma democracia como não se viu antes. Sei que nos primeiros momentos, uma facção vencerá. Mas o povo está inventando alguma coisa inédita, alguma coisa que não admite o predomínio prolongado de uma única facção.
Suavemente, o povo avançará, seguindo o seu plano maravilhoso. E vencerá. Enquanto isso, José Carlos Oliveira abandona a trincheira do livre-atirador e se entrega, em tempo integral, à sua profissão pacífica de contador de histórias. Obrigado por tudo, leitores do JB — e adeus!