As cartas de James Joyce, editadas este ano sob os cuidados de seu amigo Stuart Gilbert, enchem um volume de 430 páginas. Se este precisasse de subtítulo serviria um assim: a luta de um gênio com os seus editores. Os diletantes da amena literatura epistolar não encontrarão aqui as habituais intimidades do gênero; também de valia muito relativa será o livro para os esmiuçadores desse criador de enigmas. As cartas de Joyce, em sua grande maioria, são secas, formais, práticas, recatadas, como uma coleção de correspondência comercial. Originais vão e vêm através da Europa e da América do Norte (Trieste, Zurique, Dublin, Veneza, Londres, Nova Iorque); um escritor discute com os editores e pede auxílio dos amigos para ver se suas obras, minuciosamente compostas, têm uma chance de ser impressas, ao meio da tumultuosa torrente de mediocridades que assegura o faturamento certo da indústria do livro. Tendo-se em vista a dimensão do artista James Joyce, não houve na história contemporânea escritor que mais sofresse da incompreensão e da apatia dos editores. Uma coisa realmente incrível.

O único livro de James Joyce cuja publicação não foi um parto complicadíssimo é o primeiro, um poema, escrito aos nove anos de idade, intitulado “Et tu, Healy”, editado em 1891, a favor de Parnell, que morrera, e contra o seu principal inimigo político. Daí por diante, ele seguiu sua via-crúcis; seus livros são recusados, condenados, acusados de imoralidade e de incompreensíveis, seus direitos autorais são pilhados por editores desonestos, outros insistem para que ele modifique algumas passagens de seus romances, às vezes são os próprios amigos que procuram dissuadi-lo de prosseguir trabalhando nessa ou naquela obra.

O drama começa em 1905, quando o editor Grant Richards rejeita os originais de Chamber Music. Nesse mesmo ano, o mesmo editor lê Dubliners e começa a manter com James Joyce uma correspondência protelatória que “encheria” o mais paciente dos mortais. Dois anos depois, ele assina um contrato para a publicação desse mesmo livro de contos com outra firma, que, temerosa, começa a fazer o mesmo jogo de sucessivos e exaustivos adiamentos. Joyce vai à Irlanda, mas não consegue convencer os editores. Quarenta editores recusaram Dubliners. A brincadeira dura exatamente dez anos e um dinheirão em selos do correio. Portrait of the Artist as a Young Man, Ulysses e a peça Exiles tiveram um destino parecido. Foram enjeitados de todas as formas, antes de conhecer a glória.

Essa é a história monótona que podemos ler em Letters of James Joyce. A quem interessar possa.

paulo-mendes-campos
x
- +