Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 29/01/1963.

O Isaac, carioca que vive em Lisboa, leu uma crônica minha na qual estava escrito: “No Rio, já é natural o beijo na face entre pessoas de ambos os sexos, que se conhecem”. Diante disto, fundiu-se-lhe a cuca, lá no Portugal. Ei-lo que se manifesta perplexo: “Mas que é isso? Onde é que já se viu pessoas de ambos os sexos? E que se conhecem? E no Rio? E se beijando na face”?

Afirma ele que “ambos os sexos” é coisa pouca. Ora, Isaac não costuma fazer afirmações levianas, e assim estou quase convencido de haver cometido um lápis. Esclareço: quando furou o cano da pia, aqui em casa, chamei o bombeiro. O homem trabalhou cerca de 15 minutos, anunciou que o conserto havia terminado, recebeu o preço de seu biscate e, enquanto ele esperara o elevador, fui lavar as mãos. Lavei-as. Mas infelizmente a água saiu pelo cano. Corri atrás do bombeiro: “Meu amigo, o cano continua furado”. “Não pode ser”, disse ele. “Não pode? Então venha ver”. Ele veio e viu. Candidamente, coçando a cabeça, reconheceu: “É isso mesmo, doutor... Acho que cometi algum lápis”.

Eu também acho. Mas os costumes já se apresentam em forma nova, e sobre isto falarei agora, a fim de manter o Isaac em dia com as transas cariocas. Primeiro, as mulheres se beijavam nas faces. Depois os homens se habituaram a beijá-las, também. Mais tarde, em Ipanema, passou a ser normal o espetáculo de dois amigos homens que se encontram e trocam beijos. Agora, foi introduzida uma variação sutil na cerimônia: quando se trata de um homem e de uma mulher, eles se beijam na boca.

Quando isso aconteceu comigo pela primeira vez, fiquei seriamente perturbado. Fui visitar um companheiro pelo qual tenho grande estima e admiração. Encontrei em sua casa a mulher — um brotinho — que ele estava amando na ocasião. Ele nos apresentou:

— Vocês se conhecem? Este aqui é o Carlinhos e esta aqui é a Fulana.

Apertei na minha a mão da moça, imaginando que tudo ficaria nisso, mas observei que ela inclinara o rosto na direção do meu. Acreditei, então, que deveria beijar-lhe a testa, mas para meu espanto ela colou nos meus os seus lábios. Foi um beijo de apresentação, equivalente ao antigo, formal e distante “Olá! Como vai”?

Pensei: “Meu pobre companheiro vai entrar pelo cano. Essa mulher não presta, ou então é completamente maluca”.

Hoje em dia já estou habituado. A todo instante, em toda parte, vejo pessoas que se cumprimentam assim, boca a boca. O comportamento dos jovens (pois que estamos falando de uma invenção jovem) assemelha-se a uma pirueta. Em pleno voo, aquilo que seria escabroso adquire a aparência de algo inocente. O sonambulismo não é um privilégio da bela adormecida — ou melhor, essas pessoinhas de 20 anos não existem, senão que as vejo tangidas, não como ovelhas, mas como nuvens. Aos 20 anos perdem a idade legal, ou a ela renunciam, e se diluem no mar da juventude, onde cada gota se assemelha à outra, cada gesto se multiplica por mil, cada nova palavra se alastra como o sarampo.

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