Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 4/02/1970.

Os ônibus que partem da Rodoviária Novo Rio custam muito a chegar a Cabo Frio. Os que saem da Rodoviária de Niterói também custam muito, mas são preferíveis porque, para alcançá-los, é preciso atravessar a baía de barca. Nesse intervalo taciturno, com o vento nos cabelos, cortamos a amarra que nos prende à cidade e ao mundo. Depois, é ali que nos aguarda o jeitinho brasileiro, na forma de uma contravenção por todos os títulos virtuosa.

Malas no chão, aumentamos o rabo da fila que se arrasta para o guichê. À nossa frente os viajantes seguem para os mais diversos municípios, o que significa que a plataforma de embarque não serve exclusivamente aos ônibus de Cabo Frio. Portanto, tudo depende da sorte: podemos ficar na estação 15 minutos, duas horas ou para todo o sempre.

Mas lá vem a alternativa, a solução! É um homem magro, idoso, simpático, que anuncia em voz alta:

— Kombi para Cabo Frio! Cabem nove, só faltam quatro! Quem vai querer?

Largamos a fila e aderimos à Kombi. A viagem será rápida e agradável. Ao volante, o homem idoso vai explicando a situação. Seu sonho na vida é explorar uma frota de camionetas iguais a esta, mas as autoridades lhe negam a licença. As empresas de ônibus são muito poderosas, queixa-se ele. Bem... Mas não há de ser nada. Com um só veículo, aliciando clientes de forma meio clandestina (e possivelmente humilhante), ele leva e traz muita gente de Cabo Frio, trabalhando em tempo integral. Quem quiser fazer essa viagem em grupos grandes, é só combinar com alguns dias de antecedência: o telefone da irmã dele é número tal, em Niterói.

Enquanto avançamos por entre as verdes colinas, escuto o que dizem os demais passageiros. Reunidos pelo acaso num espaço muito pequeno, e por tempo considerável, cada qual sente necessidade de dizer quem é, esperando que os outros façam o mesmo.

O primeiro a falar é o mais velho a bordo. Está beirando os 80. Há 15 anos, as dobradiças do seu esqueleto começaram a ranger. Sentindo-se enferrujado, deitou-se para não mais se levantar. Sendo homem de posses, e uma vez que a ciência patrícia se declarava incapaz de curá-lo, dirigiu-se à Iugoslávia, onde há um famoso especialista em ossaturas enguiçadas. Deram-lhe a beber remédios e lhe aplicaram dúzias de injeções. Deitaram-no em camas especiais e lhe ensinaram a ginástica adequada. Tudo vão. Melhorar, não há dúvida de que melhorou; mas a perspectiva de uma recaída, incluída nos cálculos do médico iugoslavo, estava ainda a torturá-lo, depois de tanto sacrifício e tanto dinheiro gasto. E assim ele voltou ao Brasil, mais exatamente ao estado do Rio, tangido que fora pela derradeira esperança: alguém lhe havia falado nas virtudes milagrosas das águas da lagoa de Araruama. E ei-lo, durante 20 dias, tomando banho de lagoa. Vinte dias e mais 15 anos.

— Vejam os senhores o que é a natureza — suspirou, feliz, saudável. — Com 20 dias de banho de lagoa, eu já estava jogando futebol...

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