Fonte: A fina flor de Stanislaw Ponte Preta, Companhia das Letras, 2021, pp. 34-36.
Era um homem. Era um desses homens que não resistem à pergunta: “Você é um homem ou um rato?”. Dizemos que era dos que não resistem porque, sem dúvida, quando inquirido, não saberia o que responder. E isto é mais doloroso porque sua dúvida não era a de que não pudesse ser um homem, e sim a de que talvez não chegasse a ser um rato.
Sim, companheiros, o homem era um poço de complexos, figurinha capaz de dar dor de cabeça em aspirina, tipo que se considerava tão inferior que tinha vergonha de assinar o próprio nome. E para isto também tinha uma explicação viável: chamava-se Eugênio e era incapaz – na sua infinita modéstia — de considerar o próprio “Eu”, quanto mais ser simplesmente um “gênio”.
Vai daí, Eugênio ficou sendo Z. Não era Zé, com Z e e, mais um acento (ou assento? Botamos os dois, Osvaldo, para que você escolha o certo). Eugênio assinava só a letra Z na certeza de que esta é que lhe servia, por ser a última do alfabeto.
Tantos eram os complexos de Z que, lá um dia, alguém lhe deu dinheiro para consultar um psicanalista. Morem no detalhe de alguém lhe dar dinheiro. Tudo porque Z não andava com cruzeiros no bolso, convencido de que, se assim o fizesse, desvalorizaria ainda mais a nossa moeda.
Mas — como ficou dito — pagaram a consulta e Z foi ao psicanalista. O médico mandou que ele deitasse naquele divã regulamentar e o paciente deu a primeira prova de seu estado de espírito ao responder que se consultaria de pé, pois não se sentia com direito de ficar deitado, enquanto o outro trabalhava.
O psicanalista achou aquilo muito estranho, percebeu que estava diante de um caso de complexo de inferioridade incurável e deu umas pílulas. Mas deu sem nenhuma esperança, porque Z era tão sincero em seus complexos que chegou a confessar que só se sentia bem numa lata de lixo, ocasião em que pagou a consulta e se atirou pela lixeira do edifício, com um sorriso de superioridade.
Mas mesmo o lixo tem seu valor, embora a limpeza pública não saiba. Z foi piorando de tal forma que acabou achando que nem como lixo prestava. E – um dia — deu-se o trágico e amargo fim: seu complexo chegou ao máximo. Ia sair de casa e, para colocar a gravata, foi até o espelho.
Qual não foi a sua surpresa? Chegou diante do espelho... olhou... e não viu mais ninguém.