Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 18/12/1970.
Deliciosa coisa a água! Morna, apresentando um tom verde-escuro, hepático, ela se estende desde o horizonte até as areias de Ipanema, sobre as quais se agita como um tapete, quebrando com estardalhaço as suas borlas brancas.
Densa, tépida e incansável, ela nos suspende na crista de suas ondas e passa sob nossos corpos, macia e esgueirante como a jiboia. Sobe, se torce, hesita, avança, desliza e rebenta, e volta correndo para dentro de si — multidão de caranguejos verdes, formando outra vez o grande mar, sem fim e sem começo.
Ao longe um comboio de botos avança de Leste para Oeste.
Sentado na areia, entregando ao sol o corpo molhado, observo a menina que vai para a água. Entre essa visão e o seu deleite se abre uma poça de água pensativa.
— Tenho observado que o senhor — disse Antônia, cortando uma fatia de queijo... O senhor, hem?... Anteontem mostrei ao meu marido algumas crônicas suas. “Leia isto”, disse eu, “e isto, e isto, e isto”. Parece que o nosso cronista gosta muito de menininhas...
— Claro que gosto — admiti. — E quem não gosta? Sou um inspetor de brotos. Examino cuidadosamente as menininhas do bairro, percebo e ouço a eclosão dos pequenos seios sob a blusa. Todo jardineiro experimentado é capaz de ouvir o lento e veludoso despertar das pétalas. Minhas menininhas são flores, elas começam nas pernas. O tronco, o busto, o rosto, os olhos são infantis; mas as pernas já se dão ares de mulher. E vão crescendo, inturgescendo, dia após dia, no esquecimento da blusa, os brancos seios.
Já era uma bela mulher a menina que uma noite dessas, após cumprimentar o Paulinho, lhe disse:
— Você é muito amigo de meu pai...
— Ah! Seu pai? Você é filha do Fernando? Pois eu me lembro como se fosse hoje do dia em que seu pai começou a namorar sua mãe. Sua mãe era linda...
— Ainda é.
Diz Paulinho que enquanto forem as filhas dos amigos, tudo estará bem. Mas quando começarem a aparecer as netas, ah, meu caro, nesse dia estaremos definitivamente velhos!
Menininhas? Como não vê-las, se formam a multidão? Ninguém sabe onde se metem os velhos do Rio de Janeiro. Ou morrem moços, ou se recolhem sem escândalo. Há uma evidente ausência de velhice nestas ruas ensolaradas, nesta praia fervilhante de promessas. Em compensação, as menininhas surgem aos montes. Cada janeiro da década de 50 corresponde a uma safra de mulher, e ei-las agora em seus biquínis, com 20, 19, 18, 17, 16 aninhos... Misteriosas, se vistas de longe, bobinhas quando apreciadas de perto. Nada sabem sobre coisa alguma. Se atravessam a rua, dentro de suas minissaias, ignoram que muitos corações masculinos se assustam e estremecem. Obsessivas, demograficamente explosivas, aparecem, eclodem, descobrem o amor e o sexo, casam-se, desaparecem e — ai de nós! — para uma que desaparece, corresponde a chegada de cinco outras. Multiplicam-se. Enlouquecem...
O tema do senhor maduro apaixonado pela adolescente não me fascina. Sou um inspetor, já disse: devo apenas constatar que as menininhas estão crescendo; não me cabe (nem desejo) interferir no processo.
Deliciosa coisa, a água! Deus me conserve assim, tranquilo entre as menininhas do meu jardim...