Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 31/05/1970.
No Aeroporto Santos Dumont, um cidadão examina as bagagens de mão e os documentos dos passageiros que se dirigem a Brasília. Uma jovem loura exibe dois papéis, que, segundo ela, lhe foram fornecidos na Polícia Militar e no DOPS. Tendo perdido a carteira de identidade, a carteira profissional e o resto, ela esperava que as duas papeletas lhe servissem de salvo conduto.
Na PM, um oficial lhe havia dito:
— Pode viajar tranquila. Ninguém a impedirá de embarcar, pois você acaba de nos dar uma prova de boa-fé. Além disso, já comunicamos sua identidade às delegacias locais, e todas nos responderam que nada consta a seu respeito.
No Aeroporto, contudo, o agente encarregado de descobrir pistolas, garrafas de nitroglicerina e outros apetrechos indispensáveis à prática da pirataria aérea, depois de procurar nos olhos da moça um sinal qualquer indicativo de clandestinidade, improvisa uma solução:
— A senhora pode embarcar. Mas os papéis ficam comigo.
— Mas assim não pode ser — argumenta a jovem. (Atrás dela, alguns passageiros enfileirados começam a resmungar). — Esse procedimento não está correto — insiste ela. — Como é que eu vou poder voltar de Brasília, se não estiver com o salvo-conduto?
— Isso é problema seu — responde o cidadão. — Comigo ficam os papéis. De outra forma, como é que eu vou explicar que a senhora viajou sem documento?
Trocando em miúdos: ele precisava ter em mãos uma desculpa razoável se a moça decidisse desviar o avião para Havana, a culpa cairia no DOPS...
Chegamos a Brasília sãos e salvos. Sempre que desembarco à noite na nova capital sinto uma tristeza indefinível. Sob a escuridão transparente do céu, a escuridão da cidade é densa, palpitante, lembrando um cachorro atrás de uma porta. Avançamos entre jardins queimados, na noite fria e tristonha. A meu lado alguém comenta:
— Mas como é esquisita a sensação de estar no planalto Central. Parece outro mundo. É exatamente um mergulho no futuro, e por isso sentimos essa tristeza inexplicável. Estamos com saudade de nós mesmos...
Outra pessoa, menos romântica, propõe uma homenagem objetiva:
— Tiremos o chapéu ao Juscelino. Êta homem audacioso, sô!
As crianças crescem magras no ar seco da nova capital. Ostentam faces rosadas, parecem calmas e ingênuas como a própria cidade. Brasília é, sem dúvida alguma, o maior e mais sofisticado subúrbio do mundo. Pela manhã, passeando entre seus edifícios, pensei que o ideal seria saltar do carro e caminhar sem pressa, calçando tamancos e cobrindo a cabeça com um chapéu de palha.
Para que se tenha uma ideia de distância que separa os brasilienses dos cariocas, basta dizer que, aqui, o forasteiro é invariavelmente recebido com uma pergunta ansiosa:
— Como é? Trouxe o dinheiro novo?
O grande desejo da população é ver de perto as notas de cruzeiro desenhadas pelo Aluísio Magalhães...
O costume das casas abertas continua vigorando. A qualquer hora do dia ou da noite, sem aviso prévio, famílias inteiras invadem a residência de um vizinho. A notícia de que chegou alguém do Rio corre de boca em boca. Os colunistas sociais vivem no aeroporto, pedindo a Deus um só milagre: que alguma personalidade interessante desça do próximo avião.
Um amigo meu, que está aqui há quatro meses, suspira:
— Depois que vim morar em Brasília, até São Paulo já me parece um bom lugar para os fins de semana.
Bem.... Já que estou aqui à procura de descanso, o que inclui necessariamente um bocado de tédio, ligo a televisão e a ela me entrego. A televisão transmite um capítulo de Véu de noiva — capítulo que já foi levado no Rio há oito ou nove semanas...