Publicada no livro O gato solteiro e outros bichos, Record, 2022, pp. 233-236.
Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond
Imagens do tempo
Foi talvez de um filme de Walt Disney que nasceu a moda de enfeitar com pintinhos vivos as mesas de aniversário infantil. Era uma excelente ideia, no mundo ideal do desenho animado; conduzida para o mundo concreto dos apartamentos, também alcançou êxito absoluto. Muitos garotos e garotas jamais tinham visto um pinto de verdade, e queriam comê-lo, assim como estava, imaginando ser uma espécie de doce mecânico, mais saboroso. Houve que contê-los e ensinar-lhes noções urgentes de biologia. As senhoras e moças deliciaram-se com a surpresa e gula dos meninos, e foram unânimes em achar os pintos uns verdadeiros amorecos. Mas estes, encurralados num centro de mesa, entre flores que não lhes diziam nada ao paladar, e atarantados por aquele rumor festivo e suspeito, deviam sentir-se absolutamente desgraçados.
Como a celebração do aniversário terminava, e ninguém sabia o que fazer com os pintos, pareceu à dona da casa que seria gentil e cômodo oferecer um a cada criança, transferindo assim às mães o problema do destino a dar-lhes. O único inconveniente da solução era que havia mais guris do que pintos, e não foi simples convencer aos não contemplados que aquilo era brincadeira para guris ainda bobinhos, e que mocinhas e rapazinhos de nível mental superior não se preocupam com essas frioleiras.
Os pintos, em consequência, espalharam-se pela cidade, cada qual com seu infortúnio e seu proprietário exultante. O interesse das primeiras horas continuava a revestir-se de feição ameaçadora para a integridade física dos recém-nascidos (se é que pinto produzido em incubadora realmente nasce). Um deles foi parar num apartamento refrigerado e posto a um canto da copa, sobre uma caixinha de papelão forrada de flanela. Semeou-se em redor o farelinho malcheiroso que o gerente do armazém recomendara como alimento insubstituível para pintos muito tenros, e que (o pai leu na enciclopédia) devia ser, teoricamente, farinha de baleia. A ideia da baleia alimentando o pinto encheu o garotinho de assombro, e pela primeira vez o mundo lhe pareceu como um sistema.
O pinto sentia um frio horroroso, mas desprezava a flanela, e a todo instante se descobria, tentando fugir. Procurava algo que ele mesmo não sabia se era o calor da galinha ou o da criadeira. À falta de experiência, dirigiu seus passinhos na direção das saias que circulavam pela copa. As saias nada podiam fazer por ele, senão recolocá-lo em seu ninho, mas o pinto procurava sempre, e piava.
O garoto queria carregá-lo, inventava comidas que talvez interessasse aquele paladar em formação. Não senhor, explicou-lhe a mãe:
– Não se pode pegar, não se pode brincar, não se pode dar nada a não ser farelo e água.
– Nem carinho?
– Meu amor, carinho de gente é perigoso para bicho pequeno.
Mas o pinto, mesmo sem saber, estava querendo era um palmo sujo de terra, com seus insetos e plantas comestíveis, um raio de sol batendo numa poça d'água caída do céu, e companhia à sua altura e feição, e, numa casa assim tão bonita e confortável, esses bens não existiam. E piava.
A situação começou a preocupar a dona da casa, que telefonou à amiga doadora do pinto: Que fazer com ele?
– Querida, procure criá-lo com paciência, e no fim de três meses, bote na panela, antes que vire o galo.
Não virou galo, nem caiu na panela. No fim de três dias, piando sempre e sentindo frio, o pinto morreu. Foi a sua primeira e única manifestação de vida, propriamente dita.
O menino queria guardá-lo consigo, supondo que, inanimado, o pinto se transformara em brinquedo manuseável. Foi chamado para dentro, e quando voltou, o corpinho havia desaparecido na lixeira.