Imagens do homem

Feliz é o meu amigo: comprou uma cadeira de balanço e está na fase de namoro com ela.

Comprou de segunda mão, por via de anúncio de jornal — “em perfeito estado”. Até esbarrar com o anúncio (por acaso), nunca pensara em possuir cadeira de balanço. A ideia brotou da leitura, e voltou a ela, em círculo.

— Deve ser cômodo ler jornal em cadeira de balanço. E além do mais já estou na idade de descansar.

A mulher objetou-lhe que não havia lugar em casa para mais uma cadeira, quanto mais de balanço, que, ao oscilar, ocupa espaço de duas comuns.

— E além do mais você não chegou à idade de descansar coisa nenhuma, seu engraçadinho.

Mas a visão da cadeira chamava-o, e ele foi a Botafogo comprá-la. Só não sorriu ao contemplar o móvel, com medo de que a proprietária carregasse no preço. Bonita coisa, cadeira de balanço. Como é que nunca havia reparado nisso? Lembrou-se do que alguém lhe dissera: Lúcio Costa acha o guarda-chuva uma bonita forma inventada pelo homem. Pois a cadeira de balanço também, não é? Suas curvas se lançam com decisão, mas são doces, domésticas, convidam o camarada a sentar, a balançar...

— É austríaca, do Rio Grande do Sul?

— Não senhor. Austríaca da Áustria, repare o acabamento.

— Então com licença, minha senhora, vou experimentar sua cadeira.

— Pois não, mas acho bom o senhor tomar cuidado, porque ela está quase sem assento.

— Ó diabo, é mesmo.

Cadeira de balanço ou qualquer outra sem assento não é cadeira; é começo de cadeira. Então, perfeito estado? Bem, perfeito estado era da cadeira, não da palhinha. Sentou-se com cautela no vazio, as mãos segurando fortemente os braços da cadeira, e balançou. Era bom: nem a estagnação das poltronas nem o exagero dos brinquedos de parque de diversões.

Mostrou tanto prazer nisso que a senhora começou a não querer mais vender. Mandaria empalhá-la, e continuaria mesmo prestando serviço em casa, a gente acaba criando afeição aos móveis, o senhor não sabia?

A senhora não vai fazer uma coisa dessas. O anúncio é para valer ou não é? Vim aqui fazer negócio.

Acabou comprando por dez mil cruzeiros. Mas como iria levar aquilo para casa?

— Problema seu.

A Kombi vazia que passava não se interessou pelo carreto. Burro-sem-rabo não aparecia. Telefonou para vários endereços, sem resultado. Botar na cabeça, sair pela rua, atravessar túneis, entrar com aquilo no elevador, em casa, era demais. Acordou o bêbedo que dormia na calçada; foi difícil explicar-lhe a natureza da missão e o endereço, mas por dois mil cruzeiros o homem se declarou disposto a qualquer serviço.

A cadeira chegou quatro horas depois, já noite fechada, não na cabeça, mas vestindo o bêbedo como sobrecasaca. Faltavam dois arcos laterais e o alto do espaldar fora amassado por um lotação. Mas chegou.

A mulher de meu amigo acolheu-a com um sorriso de desprezo. Aquele lixo era uma cadeira de balanço?

Ele guardou-a no escritório, que ficou atravancado, e olha para ela com o carinho que merece uma menininha doente. Não vê o resto de cadeira, que sobrou, vê a cadeira ideal que sonhara. E anda à procura de marceneiro e de empalhador, que aliás não existem em parte nenhuma.

carlos-drummond-de-andrade
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