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Prometemos ao leitor a continuação do caso do cavalo. Segundo as normas da boa narrativa, hoje se informaria o que fez João Brandão para livrar-se da importuna alimária de barro ganha pelo Natal. O relato inicial que fizemos, porém, despertou tamanha repercussão que julgamos do nosso dever consignar aqui algumas reações colhidas em diferentes círculos. Em encontros de rua, pelo telefone, em cartas e telegramas, choveram comentários e palpites, cada um considerando lá de sua ótica a situação brandoniana:

Telefonema do sr. Leonel Pinto, gerente do Bazar Ao Tudo de Bom: “O cavalo foi adquirido em nossa loja e é uma obra d’arte. Desculpe, mas o sr. João Brandão não sabe apreciar o que é belo!”

Bilhete da costureira Cacilda Melo, do Andaraí: “Tanta gente passando fome, e alguém se lembra de comprar um inutilidade desse tamanho para dar de presente a quem não precisa de nada, pois acho que o sr. João Brandão é homem de fortuna!”

O crítico Fernando Py, na livraria Leonardo da Vinci: “O João está querendo repetir o caso do piano, do conto de Aníbal Machado. Acaba atirando o cavalo ao mar, na Barra da Tijuca. Não há originalidade nisso.”

“Falta de assunto” (um desconhecido ao telefone).

A questão dos objetos imprestáveis, muitas vezes, caros e geralmente feios, com que se dão presentes – observou o sr. Ranulfo Praies, economista – merecia análise do ponto de vista da seletividade da produção. Um país de faixas irregulares de desenvolvimento, como o Brasil, com carência de bens e serviços essenciais, não pode permitir-se o fabrico ou a importação de produtos que tais, alheios à demanda nacional mais urgente. Esperemos que se tire do caso em tela uma lição.”

O pintor Reis Júnior: “Não gostaria que João Brandão se lembrasse de oferecer-me o cavalo. Mas notei uma falha na história: de que cor é o cavalo? Que tal a modelagem? Parece com os cavalos de De Chirico ou com os de Delacroix?”

“Li a crônica, fui correndo jogar no cavalo e ganhei um tutu bem bonzinho. Muito obrigada, seu CDA!” (Uma vizinha que não quis dar o nome.)

“Por que não faz uma rifa da estátua do cavalo, em benefício de uma obra de assistência social? Sou tesoureiro da Associação de Auxílio aos Maridos Abandonados e Desempregados, que luta com os maiores problemas financeiros, sendo eu próprio um deles. Coopere e seja um de nossos honorários, sr. Brandão!” (Apelo do sr. Indalécio G. Matoso, rua Parintins, 207, casa 3, Jacarepaguá.)

“Abominável frivolidade cronistas constitui pecado contra o Espírito Santo.” (Telegrama de frei Domingos Angels, da Igreja Progressista.)

“Eu por mim dava o cavalo ao Jóquei Clube, que não poderia recusá-lo. Rimei sem querer, é o hábito.” (Do trovador Matias Farias.)

“Cavalo dado não se olha a idade, presente não se recusa nem se joga fora. João Brandão tem que ficar com o cavalinho, ainda mais agora que o caso se tornou público, e o amigo dele vem a saber.” (Dona Rosita Landowsky, do Curso de Etiqueta de Botafogo.)

Lya Cavalcante, à porta da Sociedade Protetora dos Animais: “Presente de Natal vai sempre com endereço errado. Brandão é dos que não querem nem periquito em casa, quanto mais um cavalo. Diz a ele que mande o cavalo lá para casa. Não faz mal ser de louça, eu trato dele assim mesmo.” 

Prosseguiremos. 

carlos-drummond-de-andrade
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