Fonte: Vento vadio: as crônicas de Antônio Maria. Pesquisa, organização e introdução de Guilherme Tauil,Todavia, 2021, pp. 211-212. Publicada, originalmente, em O Jornal, de 12/03/1963.

Fomos à Praia das Conchas por um caminho novo, um velho caminho sem engenharia, rejeitado desde que fizeram a estrada. Margeamos as salinas, subimos uma ladeirinha e, quando descemos, já era a praia.

Havia claridade ainda, um resto de luz poente, a areia molhada da beira d'água refletia a lua cheia. A onda vinha, voltava e a lua ficava. Na areia. As crianças nunca tinham visto a lua no chão. Sorriam, deslumbradas. A menor delas encantava-se em botar o pezinho em cima de uma lua. E nos sorria, desconfiada, como que a perguntar se estava sonhando, depois se era lícito continuar fazendo aquilo. Lá uma hora, disse uma coisa que todo mundo já disse, mas que em sua cabecinha era uma descoberta e, em sua boca, o verso de um novo cântico:

– A lua é bonita.

E a lua ficou nova e linda, para sempre.

Num canto da praia há uma casinha de reboco comido pelo salitre. A única da Praia das Conchas. A mais pobre, para sempre. Ali mora o salineiro Orlando Santos. Trabalha para os Lage. Enquanto conversávamos, os filhos nos espiavam, receosos de braços cruzados. Uma fila de quatro meninos, pálidos sem idade, nus da cintura para cima. Mais atrás, uma menina dentro de um vestido maior e mais velho do que ela, com o irmão de meses escanchado na cintura. Pareciam posar uma fotografia de propaganda da miséria brasileira. Pergunto ao salineiro se são seis os seus filhos. Responde-me que eram 11. Não lhe quis perguntar por que, ali, só havia os seis.

Negociamos um cigarro meu por um dos seus fósforos. Oferecemos nossos favores futuros. Despedimo-nos.

Na volta estava, enfim, anoitecendo. Vimos, do alto, as salinas, como um espelho imenso, estendido na planície. Refletia os últimos laivos vermelhos do pôr do sol. E assistimos a tarde arquejar e sucumbir, na superfície do espelho deitado. A terra arfava, exausta, vitoriosa, e anoiteceu.

É bem possível que, naquele momento, mesmo que fosse por uma fração de instante, todo o amor da vida estivesse, eterno, dentro de mim. Eu o sentia. Olhei humilde e gratamente teus grandes olhos, tão bonitos.

antonio-maria