Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 11/02/1974.

Em outra ocasião cheguei da Europa, após longa temporada, justamente no carnaval. Da noite gelada de Paris, após um sono oceânico, descemos no aeroporto de Recife, onde nos aguardava um calor de 40 graus. Eu só trazia a roupa do corpo — a pesada roupa de inverno, tendo nos pés as botinas próprias para andar na neve derretida. As outras roupas vinham na mala guardada entre as demais bagagens dos passageiros. Assim, quando desci no Galeão, meu corpo era um forno.

Meu apartamento em Copacabana ficara à disposição de um amigo, João, que o usava em suas aventuras extraconjugais. Suando, estalando de calor, procurei-o por telefone em toda parte. Nada. Eram duas da tarde, sábado. Larguei a mala na portaria do meu prédio e segui para o Castelinho. Sentei-me entre amigos, pedi um chope duplo, tirei o manto, suéter, a camisa, mas não adiantou nada: dali a pouco desmaiei. Levaram-me a um apartamento próximo, onde voltei a mim sob violenta ducha fria. Às cinco da tarde me encontrava em perfeitas condições. Às sete, alguém anunciou que estava sobrando uma entrada para o baile do Copa e perguntou se eu queria ir. Claro que sim. Às oito apareceu não sei de onde um pano de cetim de esfuziante estampado, com o qual cingi meus quadris: eis-me havaiano. Desci e comprei num camelô alguns colares de falsas flores. Arranjei também sandálias havaianas e estava pronta a minha fantasia de luxo.

Daí foi só esquentar os músculos para o grande embate, isto é, umas boas doses de uísque antes de entrar em campo. Já enturmado, com condução e tudo, me convencia mais uma vez de que não há no mundo fraternidade igual à de Ipanema. Entrei glorioso no baile, e em todas as mesas havia gente me chamando para sentar. (Não é que eu seja um tipo popular; apenas aquelas pessoas me julgavam na Europa e se surpreendiam ao me verem ali). Enfim, não me furtei a nenhum convite, sentei em todas as mesas, misturei uísque com champanha, pulei em grupos entrelaçados. Nessa altura alguém pisou numa de minhas sandálias, que desapareceu sob o tropel de foliões, ficando eu com um pé só e outro não.

Exausto, sentei-me entre as pernas de uma morena de biquíni. Estava zonzo, indescritivelmente alegre. Fui então andando pedindo passagem, na direção dos outros salões. Chega sempre a hora em que prefiro estar de fora observando o carnaval.

Vi então uma grande mesa onde era servida a ceia. Nela, entre outros, Jorginho Guinle e Ibrahim Sued. Aproximei-me.

— Eh! Você já voltou? — espantou-se o turco. — Vem cá, senta aqui.

Sentei-me entre ele e uma lindíssima mulher que usava uma fantasia estilizada de toureiro, com o chapéu preto caído de lado. Já a conhecia de nome e de cinema, mas Ibrahim fez questão de apresentar:

—  Conhece a Romy Schneider?

Já disse que estava zonzo e incrivelmente feliz. Em horas assim ninguém me segura. Parti para cima dela. Dançamos. Voltamos a sentar. Durante algum tempo conversamos tête-à-tête, e ela ria muito. (Com mulher, no princípio, só há duas técnicas: fazer rir ou meter medo. Ambas têm o mesmo efeito). Romy Schneider era a celebridade internacional do carnaval daquele ano e Jorginho Guinle, então solteiro, se julgava o proprietário dela. Observei que Jorginho me olhava de cara feia. Mas contra uma cara feia você tem um talismã infalível, que é a cara de pau...

Às dez horas da manhã seguinte, na redação de Manchete, Justino Martins escolhia no projetor a fotografia de capa do número especial. Olhou, olhou e concluiu desolado:

— Não dá! Não dá! Não vai poder sair Romy na capa! O jeito é esperar as fotos das escolas de samba...

Realmente não dava. Em todas as fotografias, Romy Schneider aparecia ao lado de um folião que dormia à sono solto em seu sublime ombro, tendo à cabeça o chapéu dela....

Mais tarde ela telegrafaria perguntando por mim; Ibrahim está aí que não me deixa mentir.

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