Fonte: Melhores crônicas Maria Julieta Drummond de Andrade. Seleção e prefácio de Marcos Pasche. Global, 2012, pp.258-261. Publicada, anteriormente, em O valor da vida, José Olympio, 1982.

Sentou-se numa mesa pequena, junto à parede: felizmente o salão ainda estava quase vazio. Ela gostava de vez em quando de sair mais cedo do trabalho, caminhar pelo bairro ao anoitecer e, a caminho de casa, entrar naquela pizzaria confortável, onde já conhecia os garçons e podia comer um bife com salada, tranquilamente. Cultivava com prazer certos hábitos de solidão: a carne macia, a meia garrafa de vinho tinto, a desnecessidade de conversar, o livro que lia sem pressa, enquanto esperava o pedido. Nem precisou do menu para encomendar o filé ao ponto e o agrião temperado com limão e azeite de oliva. Ao retirar da bolsa o volume de memórias que acabara de comprar, seu corpo afrouxou-se inteiro, num completo bem-estar: o cansaço do dia desaparecera.

Antes de começar a leitura, viu um homem seco, de óculos e cabelos grisalhos, sentado no canto oposto ao seu: folheava o jornal da tarde, tomando chope e mastigando um pastel, distraído. Intuiu que uma vaga cumplicidade a ligava àquele companheiro desconhecido, que também jantava sozinho e parecia em paz consigo mesmo, orgulhoso. Outras pessoas entraram, mas, imersa no primeiro capítulo das memórias, viu e não as viu passarem.

Quando o bife chegou, enorme como sempre, fechou o livro para ocupar-se da carne olorosa. Sabia que os comensais a seu redor estariam provavelmente observando-a com estranheza: quem seria aquela mulher de ar satisfeito, bom apetite, que ia a um restaurante em companhia de um livro? Na mesa à direita, duas senhoras gordas de meia-idade desviaram o olhar ao cruzar com o seu, e continuaram devorando uma pizza gigante, coberta de queijo derretido; quase não conversavam. Pensou que as duas há muito teriam desistido de qualquer regime para entregar-se à fruição de pratos untuosos, repletos de proteínas, que as recompensavam das frustrações de cada dia.

Mais adiante, estava a mesa das sexagenárias, viúvas talvez, vestidas com capricho e penteadas com spray. Hão de reunir-se uma vez por mês para ir ao cinema, sessão das 18h00, e jantar — concluiu. Falavam todas ao mesmo tempo, repartiam pizzas diversas, bebiam refrigerantes, descontraídas, achavam tanta graça umas nas outras. A noite da alegria. Depois do sorvete voltariam para casa com a quota de diversão cumprida, para enfrentar a família ou o que restasse dela, as obrigações e o desânimo, as lembranças nem sempre doces. Esforçavam-se para não ser infelizes.

Chamou-lhe a atenção, na outra ponta, o casal com a filhinha de uns cinco anos, que insistia em cortar o frango sem ajuda, sujava-se, espalhava fiapos de galinha pela toalha e pelo chão. A mãe impacientou-se, o pai quis conciliar a situação, inutilmente: a menina acabou jogando os talheres sobre o prato e se negou a continuar comendo. A mãe se conteve, mortificada, só para não estragar o jantar, a festa de jantar fora em noites especiais. E como tudo anda tão caro, foi engolindo também, disfarçadamente, entre ravióli e ravióli, os pedacinhos de frango que a filha desprezara. O marido terminou as batatas fritas, uma por uma, e a cerveja, cheio de tédio.

Reparou no casal, ao lado, já maduro, e no de namorados — 18, 20 anos — absortos na mútua contemplação, esquecidos da pizza pequenina que encomendaram, abandonados um no outro. Fixou-se no braço direito dela, imobilizado pelo esquerdo dele, e na mão esquerda dela presa ao cotovelo direito dele. Com a mão livre, o rapaz alisava um cacho comprido do cabelo claro da moça, moldando-o, envernizando-o como se estivesse compondo escultura delicada. Detinha-se muito de vez em quando, para comer depressa (ou oferecer à namorada) um pedacinho de pizza já frio. Falavam pouco ou nada, expressando com os olhos, com os gestos lentos, com a inapetência, o delírio que antecede o conhecimento que precede a paixão e que os tornava únicos, insubstituíveis naquela noite de outubro. 

Quando pediu o café, percebeu que o casal maduro discutia diante da pizza enfeitada com rodelas de abacaxi e fatias de enchova, que já tinham dividido em porções. 

— Assim não podemos continuar, quero uma explicação! — clamou a mulher, com voz ágria, mastigando. 

O homem manducava também, de cabeça baixa, impassível.

— Exijo uma resposta, uma palavra qualquer!

— Hum... — grunhiu ele finalmente, de boca cheia. 

— Se você não disser alguma coisa, juro que me levanto e vou-me embora. Deixo aqui esta pizza toda e desapareço. 

— Hum... — repetiu o homem, enquanto a mulher, desesperada, mas sem parar de comer, implorava:

— Antes não era assim, foi tudo tão diferente. Como é que eu posso entender o que houve entre nós dois?

Alheios a tudo, os namorados continuavam a adorar-se, sem precisão de palavras e de alimento. As duas senhoras bem nutridas terminavam o pudim de chocolate. O solitário se fora deixando o jornal sobre uma cadeira. As viúvas riam. A menina ainda estava emburrada e os pais tomavam café, silenciosos. O casal maduro se dilacerava, sem saída.

— Hum... — respondia o homem, servindo-se outra porção. 

Ela percebeu que ali no restaurante se formara, entre as mesas, o ciclo da vida mais completo: o antes e o depois de cada um, o que a esperava, o que já tivera, o amanhã, o agora mesmo, o perdido, o nunca mais, o de sempre, a continuação... Sentiu ternura e piedade por todos, inclusive por si mesma. Pagou a conta e saiu.

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