Bichos de toda espécie invadiram a cidade. E ninguém reclama. As autoridades não tomaram medidas. E se tomassem, haveria protestos gerais contra elas. Pelo contrário, até o fisco está satisfeito, porque cada bicho invasor dá ensejo à cobrança do imposto de circulação. Os bichos são acolhidos com simpatia e levados para casa dos moradores.
Não falo só de tartaruguinhas e gatos, que é relativamente fácil hospedar e ter como companhia constante. Aqui no apartamento instalei nada menos que uma zebra, dois elefantes e um pavão. Eles convivem muito bem uns com os outros e com o pessoal de casa. Já o meu amigo Almeida deu preferência a uma esplêndida girafa e a um não menos garboso hipopótamo. Sei de colegas de aposentadoria que passaram a ter como pessoas da família rinocerontes, focas, baleias, até dinossauros. Há quem se contente com a presença de búfalos, e os que se dão muito bem contemplando no living bodes e cobras, igualmente pacíficos.
O aparecimento destes e outros bichos no ambiente doméstico não acarretou a menor perturbação à rotina familiar. Todos eles se comportam de maneira discreta, nada exigem de especial, adaptam-se de maneira exemplar ao estilo de vida de cada um. Alimentação não é problema. Higiene, também não. É admirável o recato desses animais, que nunca fazem ouvir um som inconveniente, jamais estragam objetos de uso e primam em limpeza.
— Minha girafa é adorável — disse-me, extasiado, o amigo Ari. Imagine você que ela, tendo em vista a limitação natural do pé-direito da sala, não vacilou em encolher, encolher, até ficar uma girafinha maneira. Ocupa o mínimo de espaço e conserva as características gerais da espécie, por sinal que muito mais requintadas.
Compreendo o encantamento do Ari, pois a gentileza dos meus animais não perde para a da sua girafa. Gosto de ler até tarde da noite, e quem me acompanha nessa vigília literária? A zebra. Fica diante de mim, tão serena, tão atenta, que ouso afirmar: os livros são o seu prazer predileto.
Dizer que os cães são ciumentos não me parece rigorosamente verdadeiro, pois os cães invasores não despertam hostilidade em seus colegas domiciliados. Por mais que acariciemos aqueles, estes não se mostram ressentidos. De resto, a convivência harmoniosa de seres tão diversos como o leopardo e o jacaré, no espaço restrito da residência de um colarinho branco, é suficiente para comprovar a tendência fraternalista dos animais, a que venho me referindo. Amigos entre si, e amigos da espécie humana: contraste flagrante com o comportamento suspeitoso, e mesmo guerreiro, do homem para com o seu semelhante. Mas este é outro assunto, deixa pra lá.
A verdade é que estamos participando de um ato de amor entre bichos e gente, em termos de habitação conjunta. Já não atacamos os animais nem somos agredidos por eles. Confraternização é a palavra. Vieram morar conosco, oferecemos-lhes as partes mais nobres da casa. Aceitaram muito naturalmente, e o polvo não é mais jantado por nós. Assiste ao nosso jantar, de seu lugar de honra, bem visível. E como é belo, nada assustador, o seu tentaculado porte!
Bichos que nunca vi na vida, nem no Jardim Zoológico (só em gravura), agora os tenho cotidianos, na casa deste ou daquele amigo. Falei no dinossauro, realmente um senhor raríssimo, mas não devo omitir a vulgaridade de um anopluro, que, para agradar a seus hospedeiros, fez o contrário da girafa: cresceu até o tamanho de uma unha de gente e pôde exibir a forma artística de sua imagem. Vulgar, sim, e até nojento, como todo piolho, mas se transformou em algo sedutor.
Razão para essa acolhida benévola, e mesmo entusiástica, dos invasores em nossas casas? Só pode haver uma: o pessoal andava tão distanciado da natureza, tão envolvido em fumaça, barulho, mau cheiro e mau humor urbanos, que resolveu abrir as portas — e o coração — a toda sorte de bichos, desde a pulga ao elefante, os quais, por sua vez, se condoeram de nossa situação e se dispuseram a amenizá-la. Não vieram ainda ao natural, é certo. Vieram em madeira, em barro, em pedra-sabão, em vidro, em acrílico, em poliéster, em prata, em jade. As vitrinas estão cheias deles. É a moda dos bichinhos decorativos, dizem alguns observadores. Engano. É mais do que isso. É a volta à natureza, na única maneira pensável e possível a esta altura dos acontecimentos.