De Santa Teresa, no Espírito Santo, o professor Augusto Ruschi (é preciso apresentá-lo? não) envia a bonita foto do maior macaco das Américas, e a notícia: este macaco viverá, no máximo, até o fim de 1979. Com a cauda presa a um ramo de árvore, ele se equilibra no espaço, num movimento de dança que faria inveja a Nureiev e aos nossos políticos e tecnocratas em fase de adaptação ao estilo do governo Figueiredo. O grande mono vence a lei da gravidade, mas nem por isso escapará à lei da morte, que paira sobre bichos e plantas sempre que um interesse econômico ou a simples cobiça enfrentam a natureza.
Vive o nosso majestoso bachyteles arachnoides, com seus familiares e colegas, perto do Parque Nacional do Caparaó, mas em área exposta à exploração carvoeira. O lugar que habitam ganhou, por extensão, o nome de Gruta do mono. Daqui a pouco (o professor garante que não passa deste ano) as duzentas carvoeiras espalhadas por lá extinguirão toda possibilidade de vida desses animais. Sem palmito, frutas e folhas de bromeliáceas, eles não vivem. E assim desaparecerá o primata que, com seu rincho semelhante ao do cavalo, constituía pelo menos um motivo de vaidade da mata brasileira: era o maior das Américas. Perdemos o recorde zoológico. Ficarão outros macacos, mas de ordem diversa, e nas cidades, praticando macaquices menos inocentes com os assuntos sérios que lhes foram confiados. Imitação, imitação de peraltices anteriores, já sabidas. Novos planos que copiam planos antigos pelo avesso, ou nem isso. Vamos congelar os preços? Vamos baixar os juros? Disfarçar a realidade com palavras? E deixar tudo como estava, senão pior? Só nas serranias de Minas e Espírito Santo os macacos estão condenados. Aqui eles andam à solta.
As fotos de Alécio
Falar em foto, as mais cativantes são as de Alécio de Andrade (não é meu parente), à mostra na Petite Galerie, do Rio. Flagrantes colhidos em Paris, Londres e Nova Iorque, fixam menos uma realidade local do que o ser humano e seu comportamento em qualquer parte do mundo: o universal das criaturas. Alécio acredita na vida e presta-lhe seu tributo de simpatia e compreensão. Contemplando a magnífica série de imagens, arranhei estes versos livres (como livre é Alécio) no papel:
A voz lhe disse (uma secreta voz):
— Vai, Alécio, ver.
Vê e reflete o visto, e todos captam
por teu olhar o sentimento das formas
que é o sentimento primeiro — e último — da vida.
E Alécio vai e vê
o natural das coisas e das gentes,
o dia em sua novidade não sabida
a inaugurar-se todas as manhãs,
o cão, o parque, o traço da passagem
de pessoas na rua, o idílio
jamais extinto sob as ideologias,
a graça umbilical do nu feminino,
conversas de café, imagens
de que a vida flui como o Sena ou o São Francisco,
para depositar-se numa folha
sobre a pedra do cais,
ou para sorrir nas telas clássicas de museu
que se sabem contempladas
pela tímida (ou arrogante) desinformação das
visitas,
ou ainda para dispersar-se e concentrar-se
no jogo eterno das crianças.
Ai, as crianças... Para elas,
há um mirante iluminado no olhar de Alécio
e sua objetiva.
(Mas a melhor objetiva não serão os olhos líricos
de Alécio?)
Tudo se resume numa fonte
e nas três menininhas peladas que a completam,
soberba, risonha, puríssima foto-escultura de Alé-
cio de Andrade,
hino matinal à criação
a à continuação do mundo em esperança.
Ruschi, de novo
O professor Ruschi não defende apenas a sobrevivência do maior mono americano. Defende a terra em conjunto, os ecossistemas ameaçados, em via de aniquilamento. Retomando a eterna polêmica do eucalipto e das florestas artificiais, publicou O eucalipto e a ecologia, em edição do Museu de Biologia Professor Melo Leitão, e alinha dados impressionantes. Dá arrepio na gente, passar os olhos na relação de 70 espécies de mamíferos, 478 de aves, 11 de répteis, 31 de anfíbios, e 37 de insetos, que existiam nas florestas naturais substituídas pelo plantio do eucalipto, visando à produção de celulose. Existiam... E hoje? Celulose cara, esta. E mortal. O mamífero homem, a quem ela pretende servir, que se cuide. Em era não remota, acabará sendo a 71ª espécie sacrificada.