Escrevo-as na esperançosa suposição de que todas as pessoas vivas também alimentem frustrações mais ou menos parecidas; se tal não acontecer, o azar é meu:
Nunca ouvi o rouxinol; nem a cotovia.
Não fui um dos pescadores que viram passar o avião de Lindberg perto das costas da Irlanda.
Não morri nas Termópilas.
Não participei da amizade de Vittoria Colonna; nem de Louise Labé, Emily Brontë, Lou Andreas-Salomé, tantas outras.
Gostaria de ter vindo na frota de Cabral, mas com um extraordinário poder de profecia.
Não morei com Lênin em um hotelzinho de Montparnasse e, portanto, ele não me ensinou a jogar xadrez.
Não tenho jeito para pesca submarina; não atravessei a Mancha a nado.
Ingrid Bergman, quando a vi em Paris, não me chamou para jantar; Ava Gardner não me telefonou quando chegou ao Rio; não fui assistente de Einstein; não mantenho nenhuma correspondência com Charles Chaplin; quando era menino, não ganhei de presente o verdadeiro revólver de Tom Mix.
Não fui vizinho de Bach em Leipzig, não acompanhei o enterro de Mozart, não estive na primeira audição da 5ª Sinfonia de Beethoven; Débussy não tocou para mim a Suite bergamasque.
Durante os twenties dava os meus primeiros passos em Minas Gerais: em vez de ser em Nova Iorque um jovem romancista rico.
Não conspirei com Robespierre e os outros.
Não flanei pelos cais do Sena antes da guerra de 14.
Não fui companheiro do poeta Shelley na Itália.
Jamais conseguirei escrever um só terceto da mesma qualidade dos versos da Divina comédia.
Nunca possuí uma cabana de madeira à margem do Reno.
Nunca pude dizer: “Não sei se passo o próximo verão na Toscana ou em Pequim”.
Não passei uma tarde com Eça de Queiroz bebendo vinho, comendo queijo e contando anedotas.
Nada posso contra a miséria, a não ser protestar; se escrever contra a guerra, nenhum general tomará conhecimento; também não me ouvirão a respeito da pena de morte ou do preconceito racial.
Não estive presente à última corrida de touros em Salvaterra.
Não estou neste instante em diversos lugares onde acontecem coisas importantíssimas; ou em uma praia nordestina, onde não estivesse acontecendo nada.
Não sei pilotar um avião.
Não assisti a nenhuma olimpíada (grega ou moderna).
Não sou capaz de inventar a mais simples melodia.
“Não amei bastante o meu semelhante” (faço meu este verso de C.D.A.)
Não fui o marido de Eva.
Não sei o que é cálculo vetorial, por exemplo.
Não entendo a teoria dos quanta.
Não consigo mais matá-las (as bolas altas) no peito.
Não consigo tocar um pouquinho de qualquer instrumento.
Frequentemente confundo poussez com emportez.
Se coubesse também a mim reconstruir a civilização, não saberia fazer uma campainha.
Não entendi muito bem o que uma gaivota queria me dizer, há muitos anos, em um porto cheio de bruma.
Nunca fui à pesca da baleia.
Não possuo uma vitrola digna de um almirante batavo.
Nunca soube aliviar a angústia de ninguém.
Não inventei um específico fatal contra essa gripe que me imbeciliza na manhã de hoje.
Não me foi confiado o dom da alegria, mas tenho de conquistar as migalhas desta última ao meio de uma irremovível disposição ao sofrimento.