Fonte: Todas as crônicas: Aquarelas e outras crônicas (1859-1878). Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2021, vol. 1, pp. 120-122. Publicada, originalmente, em O Futurode 1/04/1863.

Um livro de versos nestes tempos, se não é coisa inteiramente disparatada, não deixa de fazer certo contraste com as labutações diárias e as gerais aspirações. E note-se que eu já não me refiro à censura banal feita às vistas burguesamente estreitas da sociedade, por meia dúzia de poetas, que no meio de tantas transações políticas, religiosas e morais, recusam transigir com a realidade da vida, e dar a César o que é de César, tomando para Deus o que é de Deus.

Eles dizem que essa mutualidade por transação do real e do ideal, em tais condições, abate a porção divina que os anima e os faz indignos da coroa de fogo da imortalidade.

Têm razão. Mas as aspirações a que me refiro, qualquer que seja o seu caráter prático, não dispensam a intervenção do espírito, e então não transigir com ela é abrir um combate absurdo. Há quem diga com desdém que este século é o do vapor e da eletricidade, como se essas duas conquistas do espírito não viessem ao mundo como dois grandes agentes da civilização e da grandeza humana, e não merecessem por isso a veneração e a admiração universal.

O que é certo, porém, é que em nosso país e neste tempo é coisa rara e para admirar um livro de versos, e sobretudo um livro de bons versos, porque maus, sempre há quem os escreva, e se encarregue, em nome de outras nove musas, que não moram no Parnaso, mas algures, de aborrecer a gente séria e civilizada. Veja, pois, o leitor com que prazer e açodamento venho hoje falar-lhe de uma coleção de versos e bons versos!

O sr. Augusto Emilio Zaluar, autor das Revelações, o volume a que me refiro, é já conhecido de todos para que eu me dispense de acrescentar duas palavras à opinião geral. As Revelações contêm muitas poesias já publicadas em diversos jornais, mas conhecidas umas por uns, outras por outros, de modo que, reunidas agora, se oferecem, passe a expressão, ao estudo de uma assentada.

Não intento, nem me cabe fazer um juízo crítico da obra do poeta. Entendo que o exame de uma obra literária exige da parte do crítico mil qualidades e predicados que poucas vezes se reúnem em um mesmo indivíduo, havendo por isso muita gente que escreva críticas, mas poucos que mereçam o nome de críticos.

Dizer quais as impressões recebidas, como um simples leitor, não tão simples como o bufarinheiro, tenho a vaidade de supô-lo, eis aí a que me proponho e o que devo fazer sempre que por obrigação tenho de falar de algum livro.

Este que tenho à vista tem direito a uma honrosa menção. Se há nele poesias a que se poderia fazer mais de uma censura, se em algumas delas a inspiração cede à palavra, há outras, a maior parte, tão completas que bastariam para coroar poeta a quem não tivesse já essa classificação entre os homens.

Na Harpa brasileira encontramos uma parte destas. “A casinha de sapê” é um fragmento poético dos mais completos do livro. A inspiração desliza entre a expressão franca e ingênua como o objeto da poesia. O espírito acompanha o poeta por entre os bosques sombrios, onde

Uma casinha se vê
Toda feita de sapê.

O contraste da solidão com o ruído remoto do mar e do vento, é descrito em poucos e lindos versos; a lembrança do passado, a descrição da casa abandonada e a melancolia do sítio, cantada em versos igualmente melancólicos, tudo faz dessa composição uma peça acabada.

O “Ouro”, que se lhe segue, é composição das mais conceituosas. O “Filho das florestas” dá em resultado uma conquista de verdadeiro poeta. Se o fundo não é inteiramente novo, a forma substitui pela concisão, pela propriedade e até pela novidade uma dessas moralidades poéticas, próprias dos poetas pensadores que se distinguem dos poetas individuais em nos não cantarem eternamente as mesmas mágoas.

“A família”, “À minha irmã”, “Confissão”, etc. são outras poesias que se destacam do livro por um mérito superior. De resto, tenho uma censura a fazer ao poeta, ou antes, são os seus admiradores que lha fazem; e vem a ser, de ter dado entrada no livro a muita poesia alheia. Se esse fato nos traz ao conhecimento pedaços de boa poesia, não é menos verdade que toma o lugar que poderia ser ocupado com igual vantagem pelo autor.

O livro do sr. Zaluar merece ser lido por todos quantos apreciam poetas. Marca grande progresso sobre o seu primeiro volume Dores e flores e revela bem que o poeta chegou à maturidade do seu talento.

Cifra-se nisto toda a bagagem literária da quinzena. Canta-se ou pensa-se a largos intervalos no nosso país. Anúncio, tenho eu de boas novas. As folhas do Maranhão dão como a imprimir-se uma tradução da Guerra gaulesa feita pelo erudito e elegante escritor maranhense dr. Sotero dos Reis.

É excesso acrescentar uma palavra a esta notícia; o nome do tradutor é uma garantia da obra, como é uma das honras da terra de Gonçalves Dias, Lisboa e Odorico.

Para não impedir o leitor de ir assistir aos ofícios da semana santa, devo concluir despedindo-me até depois da Páscoa...

*

Avisam-me agora que o não faça sem incluir nestas páginas o seguinte bilhete. É de um amigo meu:

“Boa nova! O Garnier abriu assinaturas para a publicação de um poema do padre Sousa Caldas, obra encontrada nas mãos de um herdeiro de seus numerosos escritos, e inteiramente inédita”.

Satisfeito o pedido, convido o leitor a verificar por seus próprios olhos a notícia do meu oficioso correspondente.

machado-de-assis