Hora de foot-ball — É o novo ground. O Clube de Regatas do Flamengo tem, há 20 anos pelo menos, uma dívida a cobrar dos cariocas. Dali partiu a formação das novas gerações, a glorificação do exercício físico para a saúde do corpo e a saúde da alma. Fazer esporte há 20 anos ainda era para o Rio uma extravagância. As mães punham as mãos na cabeça, quando um dos meninos arranjava um halter. Estava perdido. Rapaz sem pince-nez, sem discutir literatura dos outros, sem cursar as academias — era homem estragado.
E o Clube de Regatas do Flamengo foi o núcleo de onde irradiou a avassaladora paixão pelos esportes. O Flamengo era o parapeito sobre o mar. A sede do clube estava a dois passos da casa de Júlio Furtado, que protetoramente amparava o delírio muscular da rapaziada. As pessoas graves olhavam “aquilo” a princípio com susto. O povo encheu-se de simpatia. E os rapazes passavam de calção e camisa de meia dentro do mar a manhã inteira e a noite inteira.
Então, de repente, veio outro clube, depois outro, mais outro, enfim, uma porção. O Boqueirão, a Misericórdia, Botafogo, Icaraí estavam cheios de centros de regatas. Rapazes discutiam muque em toda a parte. Pela cidade, jovens, outrora raquíticos e balofos, ostentavam largos peitorais e a cinta fina e a perna nervosa e a musculatura hercúlea dos braços. Era o delírio do rowing, era a paixão dos esportes. Os dias de regatas tornavam-se acontecimentos urbanos. Faltava apenas a sagração de um poeta. Olavo Bilac escreveu a sua celebrada ode “Salamina”.
— Rapazes, foi assim que os gregos venceram em Salamina! Depois disso, há 16 anos, o Rio compreendeu definitivamente a necessidade dos exercícios, e o entusiasmo pelo futebol, pelo tênis, por todos os outros jogos, sem diminuir o da natação e das regatas — e o único entusiasmo latente do carioca.
Rendamos homenagem ao Regatas do Flamengo!
O meu velho amigo, fraco e pálido, falava com ardor. Interrompeu-se para tossir. Continuou:
— Pois é este clube que inaugura hoje o seu campo de jogos. Haverá acontecimento maior? O Rio estará todo inteiro ali... Engasgou-se. O automóvel que passara a correr pelo palácio de José Carlos Rodrigues, onde se realizava a primeira recepção do inverno do ilustre jornalista, estacara. Estávamos à porta do novo campo de jogos. E o meu velho amigo precipitava-se. A custo acompanhei-o por entre a multidão e, imprensado, quase esmagado, icei-me à arquibancada. Mas o aspecto era tal na sua duplicidade, que logo eu não soube se devia olhar o jogo do campo em que Galo triunfava ou se devia comover-me diante do frenesi romano da multidão.
Não! Há de fato uma coisa séria para o carioca: — o futebol! Tenho assistido a meetings colossais em diversos países, mergulhei no povo de diversos países nessas grandes festas de saúde, de força e de ar. Mas absolutamente nunca eu vi o fogo, entusiasmo, a ebriez da multidão assim. Só pensando em antigas leituras, só recordando o Coliseu de Roma e o Hipódromo de Bizâncio.
O campo do Flamengo é enorme. Da arquibancada eu via outro lado, o das gerais, apinhado de gente, a gritar, a mover-se, a sacudir os chapéus. Essa gente subia para a esquerda, pedreira acima, enegrecendo a rocha viva. Embaixo a mesma massa compacta. E a arquibancada — o lugar dos patrícios no circo romano, era uma colossal, formidável corbelha de belezas vivas, de meninas que pareciam querer atirar-se e gritavam o nome dos jogadores, de senhoras pálidas de entusiasmo, entre cavalheiros como tontos de perfume e também de entusiasmo.
— Está uma arquibancada estupenda! — murmurou-me Isaac Elbas.
Eu procurava conhecidos. Estava todo o Rio e reconheci apenas a sra. Nair Teixeira, com um delicioso vestido, e Gastão Teixeira, que fazia gestos entusiásticos; a sra. e as senhorinhas Manoel Bernardez, a senhorinha Carlota Vieira Souto, a sra. e a senhorinha Hime, as senhorinhas Beatriz Tasso Fragoso e Maria Lima Campos e Regina Trindade, a sra. João Felippe e as senhorinhas Lassance Cunha, Mariz e Barros, Ivany Gonçalves, Maria Pinheiro Guimarães, Souza Leão, Pereira da Silva, Aracy Moniz Freire, Souza Alves, Ritinha Candiota, Otto Shilling, Maria Augusta Airosa, Hilda Kopeck, Dora Soares, Sophia Tavares de Lyra, Rocha Fragoso, Mibielli, Bento Borges.
Pinto Lima, no outro extremo, com as duas gentilíssimas filhas, dizia-me adeus, e o dr. Arnaldo Guinle, do Fluminense, parecia almejar a vitória do Fluminense. Os gritos, as exclamações cruzavam-se numa balbúrdia. Os jogadores destacavam-se mais na luz do ocaso. E de todos os lados subia o clamor da turba, um clamor de circo romano, um clamor de hipódromo no tempo em que era basilissa Theodora, a maravilhosa...
Nervoso, agitado, sem querer, ia também gritar por Galo, que vencia e que eu via pela primeira vez. Mas o delírio chegara ao auge. O meu velho amigo dizia, quase desmaiado:
— Venceu o Flamengo num score de 4 x 1...
À porta, 500 automóveis buzinavam, bufavam, sirenavam. E as duas portas do campo golfavam para a frente do Guanabara mais de seis mil pessoas arrasadas da emoção paroxismada do futebol.