Aconteceu que tinha de fazer um trabalho bastante comprido no prazo de um dia. Madruguei às seis horas, depois de ter dormido mal, sentei-me ao batente. Nada, a coisa não ia, sentia um sono de chumbo. Lembrei-me de um tubo guardado na gaveta, que me fizera muito mal, quando, uma única vez, experimentei um de seus comprimidos. Mas gente como eu custa a aprender. Precisava sentir-me lúcido e engoli imediatamente dois.

O invólucro vermelho de remédio dizia “estimulante circulatório e psíquico”. Ora, modéstia à parte, sou um homem relativamente habituado a venenos. Pois entrei pelo tubo: aquele remédio, pequenino e branco, era maior do que eu. Algum tempo depois de ingeri-lo, doíam-me os músculos e os rins, uma fadiga puramente física passava-me no corpo todo. A cabeça não se atordoara, pelo contrário, mas o estímulo mental de pouco me valia, pois, agora, o penoso era o esforço mecânico de bater no teclado. Mas, os dedos mais vagarosos do que as frases, fui levando, cansadíssimo, como se nadasse para fugir ao afogamento.

O remedinho me destroçara. Rajadas de frio me percorriam o corpo, as pontas de meus dedos ora latejavam, ora se esqueciam insensíveis. Pensei em chamar um médico, mas eu nunca chamei médico. Se dormisse meia hora, por certo iria melhorar. Deitei-me: o corpo ficou agradecido, mas a mente se manteve acesa. Voltei ao trabalho. Fui indo, lento, parando para respirar fundo, inventando expedientes para evitar o fim. O fim não seria a morte, melhor, seria apenas a morte do corpo; a cabeça ficaria acordada. Toda a contradição vivida por mim estava nisto: o corpo se apagava, enquanto a mente se acendia cada vez mais.

Depois de terminada a tarefa, sabe Deus como, às oito horas da noite, uma ducha aliviou-me bastante. Fui jantar em casa de amigo, voltei à uma hora, tendo combinado com ele irmos à cidade resolver uma coisa às sete horas da manhã. Olhei para a cama como quem, ao chegar ao portão do paraíso, dá uma espiada lá dentro. Ah, meu pobre corpo, como doía! Minha pobre cabeça, como pesava!

Fechei meus pobres olhos, que ardiam, e esperei. Tinha a impressão de que bastaria isso a fim de sucumbir-me em um sono de abismo. Esperei mais um pouco. Não dormia. Que há comigo?

Estava morrendo de sono e de vigília. Pela primeira vez percebi lucidamente que as duas coisas podem existir ao mesmo tempo.

Duas horas. O corpo adormecera, a mente ficava acordada. Três horas. A sensação permanecia. Quatro horas. Levantei-me, bebi água, lavei o rosto, voltei à cama. Metade morto, metade vivo, como antes. Cinco horas. Seis horas. Sete horas. O telefone tocou: mandei dizer que estava morto, não podia ir à cidade. Fiz com que fechassem tudo, aninhei-me na penumbra, procurando cativar o sono.

Mas vieram as alucinações, as primeiras até agradáveis, de natureza gráfica. Mas foi horrível quando me senti redondo e amarelo como um pinto ainda mal envolvido pela casca do ovo.

Às nove horas, levantei-me com raiva, disposto a não dormir nunca mais, se a graça do sono nunca mais me fosse concedida.

Escrevo isto muitas horas depois e continuo insone e opaco. Claro que o leitor não tem nada com isso. Mas essa confissão de uma experiência aborrecida tem a sua moral. Tirei da gaveta o tubo de remédio e li: “Venda sob prescrição médica”. Quando pedi o remédio, ele não me exigiu receita nenhuma. E, se tivesse pedido, eu ficaria danado da vida.

paulo-mendes-campos
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