Fonte: Para uma menina com uma flor: 1966. Organização de Eucanaã Ferraz. São Paulo, Companhia da Letras, 2009, pp. 70-71. Publicada, originalmente, em A Noite (RJ), de 20/03/1956.
Também chamado familiarmente Maria, Zé Maria, Menino-Grande — Antônio Maria, que eu chamo “o meu Maria”, é de longe o melhor do seu nome. Meu parente através de uma linha de Moraes de Pernambuco, que vai assim, faz assim e volta e da qual participa o poeta João Cabral de Melo Neto, esse pernambaioca (se me permitem o neologismo tirado de Pernambuco, Bahia e carioca) espesso, áspero e agridoce, com um carão de lua que parece sempre bafejado de uma brisa nordestina; esse a) poeta; b) compositor popular; c) produtor de rádio; d) cronista lírico; e) locutor esportivo; f) escritor de shows; g) grande papo; h) diretor artístico de boate; i) fazedor de jingles; j) homem triste; k) ótimo volante; 1) esplêndido amigo; m) desvairado amante; n) M. C.; o) humorista nato; p) “santo homem”, como dele diz, com terno sotaque, o poeta português Carlos Maria de Araújo; q) trabalhador infatigável; r) letrista insigne; s) cantor agradável; t) pródigo absoluto; u) incurável gourmand; v) olho de lince; x) punho de clava; y) superego; z) adorador da vida — esse menino grande mesmo, que não sei como ainda não descobriu no poema “Les chercheuses de Poux”, de Rimbaud, a sua doce morte diária, porque é homem de rede, mucama, água de coco, cosca no pé, cafuné na cabeça, brisa marinha no cabelo do peito; esse quebrador de tenreiros, físico para bergères antigas tipo me-senta, bem estofadas de modo a ele caber todo e ainda poder pôr os pisadores longe no tamborete; esse imenso tímido de radar sempre ligado, capaz no entanto das maiores semostrações, esse gigante fraterno que já pôs o braço diante da minha queda e que tem casa, comida e roupa lavada no meu coração; esse grande pecador que se chama Antônio Maria Araújo de Moraes tem — eu vos asseguro — o estofo de um grande santo. Às vezes posso vê-lo num burel de monge, no pátio colonial de um convento plantado de roseiras, dando de comer na mão a pombas brancas; ou a transitar silenciosamente num claustro seu vasto corpo gasto e purificado de muito amar.