O homem cem por cento moderno, o homem que vê, lê e ouve anúncios, me contou:
— Não é para fazer inveja a ninguém, mas sou um sujeito feliz. As minhas noites são agradabilíssimas no meu colchão de molejo entrelaçado e aço eletronicamente temperado, com sete camadas de estofamento, 12 ventiladores plásticos laterais, o que permite o equilíbrio de meu corpo, pois o peso se distribui anatomicamente pelas três quartas partes do colchão. Sem falar no meu travesseiro com flexibilidade cientificamente dosada.
Acordo com o carrilhão do meu despertador da Casa Bom Som, que tem uma tradição de confiança há mais de 80 anos. Se na véspera exagerei no comer ou no beber, abro um envelope azul, faço uma solução com o meu antiácido favorito, uma solução fresca, agradável, efervescente, e lá se vão os meus males depois que a leve camada alcalina acalma e protege meu estômago.
Em seguida, abro a minha geladeira, que é um supermercadinho em meu lar. A gaveta de legumes corre suavemente sobre rolamentos de nylon. De lá retiro um limão e faço em poucos segundos uma refrescante limonada no meu li-qui-di-fi-ca-dor. Quem tem li-qui-di-fi-ca-dor tem tu-do!
Será que dois cosmonautas poderão atingir um satélite artificial em órbita? Marcho para o banheiro assoviando um samba de balanço. Meu espelho está maravilhoso. Seguro o meu munidor com a confiança dos que sabem o que é bom, evitando perda de tempo e custando o mesmo que um pacotinho. Com uma ligeira pressão do polegar, a lâmina desliza suavemente. Com o rosto irradiando simpatia, procedo a uma deliciosa massagem com a espuma cremosa e vitalizante do meu sabonete. Já com o efeito embelezador do sabonete, faço a minha ginástica, seguindo as instruções de um folheto ilustrado, grátis mediante o meu envio de um cupom: o exercício diário despertará a minha energia latente, fazendo-a vibrar como um motor de alta potência, tornando-me um dínamo de vitalidade perfeita, pois também Charles Atlas já foi um raquítico de 44 quilos e se tornou o homem mais bem desenvolvido do mundo.
Sob o silencioso chuveiro, minha pele se torna macia e perfumada como a cútis aveludada das estrelas. Minha roupa branca é mais branca, imaculadamente alva, pois o meu detergente penetra nas profundezas do tecido e elimina até aquela sujeirinha mais fina.
Há pessoas que não podem admitir falhas de espécie alguma: por isso, a minha camisa possui classe e bom-gosto (lavada à noite, na manhã seguinte já se encontra seca e pronta para ser vestida). Penteio os cabelos com brilhantina, tomo o meu ex-café e fumo de ponta a ponta o melhor, enquanto leio na minha revista em quadrinhos a história de uma empolgante luta contra o crime.
O Serviço de Meteorologia anuncia tempo estável, temperatura em declínio, rajadas frescas. Meu horóscopo diz que os nascidos sob o signo de Sagitário têm no dia de hoje favorabilidades gerais e grandes possibilidades de contratos financeiros. Se eu não estivesse no Rio e tendo de ir para o escritório, se estivesse, por exemplo, em Roma, em menos de três horas de voo poderia atingir cidade de Atenas, em um confortável jato, para ser um turista feliz na cidade milenária que se estende aos pés da Acrópole.
Talvez no domingo eu convide as pessoas de minha relação a fim de impressioná-las bem com a minha personalidade marcante: comprarei na volta do trabalho um uísque engarrafado no Brasil, mas destilado na origem por processo de secular tradição e envelhecido em tonéis de carvalho. O toque macio de uma categoria mundialmente conhecida.
Antes de pegar o lotação, passo no botequim da esquina e troco minhas 25 tampinhas por uma linda miniatura.