Imagens de Moore

Entre dezenas de obras de Henry Moore, que o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro vai expor, uma escultura me impressiona particularmente. Conheci-a antes, de fotografia, e não me cansava de contemplá-la. Agora a tenho “em pessoa”, ao ar livre, que é o seu ambiente próprio, e a impressão causada alcança plena intensidade, exigindo pressão verbal, embora imperfeita.

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O homem e a mulher, descalços, estão sentados no banco. Um casal qualquer faria o mesmo, num banco de praia, fugindo ao calor ou namorando. Este não é um casal qualquer: são o Rei e a Rainha, sentados no seu trono, e reinando.

Sim, estão reinando. A majestade simples das figuras impõe o sentimento da realeza. Podemos ser republicanos e até anarquistas, mas não podemos sufocar o reconhecimento de que neste par está infundida a essência do poder real, emanação do divino. A realeza em si, independente de atributos espetaculosos. Não um rei, com suas crueldades e imperfeições humanas, que costumam chegar ao grotesco, mas o Rei, esta grave e soberana entidade anterior aos soberanos que a história e o cinema nos fornecem para infundir terror, inspirar subserviência ou espantar tédio. E, a seu lado, a Rainha, que não é simplesmente mulher do Rei, mas o seu prolongamento visível, a forma feminina e delicada de sua grandeza, que nem por ser feminina é menos grave ou convida menos à veneração.

Estão descalços: prescindem de borzeguins e sandálias de pedras preciosas, e ostentam, sem chamar atenção para isso, a dignidade egípcia dos pés, não menor que a das mãos. As vestes reais nascem-lhes dos corpos como se corpo também fossem. Os diademas reais são sugeridos por formas ondulantes, e nas cabeças do Rei e da Rainha circula o ar, como devia circular nas cabeças dos deuses. Pois o pensamento não as habita: é criação humana, ato de revolta contra a majestade e a impassibilidade de altos poderes.

Lá estão os dois reinando. Reinam sobre a terra em calma postura, sem nada de terrível ou de meigo: como reis cônscios de sua potência e sua sacralidade. Não há súditos; não há palácios nem cortesãos; o exercício da realeza se faz num espaço ilimitado e indeterminado, que abrange o tempo passado e o futuro, e as regiões interiores onde escondemos aquilo que não deve ser revelado nem aos reis nem a seus agentes. Sentimos na alma a tranquila, mas imperativa, presença destes reis. E de muito os contemplarmos na leveza deste bronze tornado quase aéreo, sentimos também gratidão pelo artista que assim os fez, dando-nos consciência plástica de uma força sobrenatural — uma força que ele capturou e venceu, ao figurá-la, reduzindo-a a estátua de bronze, no jardim.

carlos-drummond-de-andrade
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