Eu ia por um caminho, encontrei Di Cavalcanti. Sempre o encontrei. Poucas, muito poucas vezes, marcamos esses encontros. Nunca foi preciso. A primeira vez foi em Belo Horizonte, 43 ou 44, onde o pintor realizou uma conferência mais ou menos mística e deu uma longa entrevista a Hélio Pellegrino. Depois disso, a criatura que mais encontrei em minha vida, aparentemente por acaso, foi o nosso Di. Nos lugares mais inconciliáveis, nas horas mais discordantes, fui encontrando Di Cavalcanti, e fui me habituando à naturalidade com que ele recebia os encontros mais inverossímeis. Só as pessoas sem imaginação, como eu, vivem espantadas com a imaginação da própria existência.
Uma vez, embora a coisa fosse absolutamente lógica, eu gozava o meu próprio espanto de achar-me em uma campina cinzenta na Mongólia, vendo desfilar uma caravana de camelos. Se o Di, no entanto, surgisse ali, tenho certeza de que só muito mais tarde iria explicar-me como e por que aparecera. Antes, iria dizer-me: “Aconteceu agora mesmo uma coisa engraçadíssima comigo”. E viria uma história mais ou menos assim: “Conheci em Ulan Bator uma aeromoça, muito bonita aliás, nascida em Chiraz, na Pérsia, que é a terra onde nasceu também o poeta Hafez. Sabe como ela se chamava? Gazela da Paixão. Hem! Hem! Você já viu uma coisa maravilhosa como essa? Aliás, marquei um encontro com ela em Cantão. Você não pode deixar de conhecer Gazela da Paixão. Uma coisa da maior importância!”.
Infelizmente, esse encontro não houve. Mas espero que, em minha vida, sobretudo nos momentos em que os compromissos práticos ameacem tornar-me num sujeito falsamente sério, eu continue a encontrar Di Cavalcanti. No Arpoador, num bar de Copacabana, no saguão de um hotel em São Paulo, numa gafieira, numa redação de jornal, em Paquetá, numa cave de Paris, numa livraria, chez madame Mumu ou chez madame Mimi, a certeza de que ainda encontrarei Di Cavalcanti muitas vezes me esperança.
Dia 06 de setembro Di faz 60 anos. No restaurante Recreio, os seus amigos o festejam com um Jantar. Jamais a esse encontro faltarei.
