Fonte: Toda crônica.  Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II, p. 221. Publicada, originalmente, na Careta, de [23/10/1929], e, posteriormente, no livro Marginália, Mérito, 1953, p. 188.

Noticiam os jornais que a polícia prendeu dous vadios e, de acordo com as leis e o código, processou-os por vadiagem.

Até aí a cousa não tem grande importância. Em toda a sociedade, há de haver por força vadios.

Uns, por doença nativa; outros, por vício.

Tem havido até vadios bem notáveis.

Dante foi um pouco vagabundo; Camões, idem; Bocage também; e muitos outros que figuram nos dicionários biográficos e têm estátua na praça pública.

Não vem tudo isto ao caso; mas uma ideia puxa outra...

O que há de curioso no caso de polícia de que vos falei é que os tais vadios logo se prontificaram a prestar fiança de quinhentos mil-réis, cada um, para se defenderem soltos. Como é isto? Vagabundos possuidores de tão importante quantia? Há muito homem morigerado e trabalhador, por aí, que nunca viu tal dinheiro.

Deve haver engano, por força.

De resto, se não o há, sou de parecer que a tal lei está malfeita.

O legislador nunca devia admitir que vadios, homens que nada fazem, portanto não ganham, pudessem dispor de dinheiro, e dinheiro grosso, para se afiançarem.

Ou eles o têm e obtiveram-no por meios e, portanto, não são vadios; ou, tendo-o e não trabalhando, são cousa muito diferente de simples vadios.

Quem cabras não tem e cabritos vende...

Não sou, pois, bacharel, jurista nem rábula e fico aqui. 

lima-barreto