Fonte: Toda crônica. Apresentação e notas de Beatriz Resende; organização de Rachel Valença. Rio de Janeiro, Agir, 2004, vol. II, p.404. Publicada, originalmente, na Careta, de 20/08/1921 e, posteriormente, em Marginália, Mérito, 1953, p. 130.
A caridade oficial é uma cousa edificante, mas a internacional ainda o é mais. Vejam só o que se passa agora com os famintos da Rússia e os seus patrícios coléricos. Os jornais vêm cheios de telegramas e mais telegramas; mas nenhuma providência prática apontam. Num jornal da semana passada, há uma delas inteiramente platônica.
Num se diz que o Lord Mayor de Londres fez um “apelo, de caráter urgente, dirigido a todas as nações, em favor das populações famintas da Rússia”.
Em outro se diz cousa idêntica, mas que o apelo é assinado por Lord Canterbury e outras personalidades da política, da literatura e das ciências.
Uma sumidade americana diz que o problema da fome no antigo império dos tsares não se pode resolver enquanto lá vigorar o sistema econômico atual; e assim são mais ou menos as providências que a compaixão das nações está tomando para minorar a fome de milhares de indivíduos.
Julgo tudo isto muito prático, tanto mais que parte de representantes de países que são tidos por eminentemente práticos; mas tal cousa não hão de supor os que em Moscou e adjacências estão com o estômago na espinha.
Ainda falam de Bizâncio e de nós que deixamos tudo para amanhã.
E tudo é assim. Não vemos a Câmara a discutir há quase um mês as medidas de emergência que nos hão de salvar da bancarrota que está próxima.
Pois é isto que está acontecendo com os salvadores dos famintos moscovitas: discutem e fazem apelos, em vez de comprarem feijão e carne-seca e mandarem para a República dos Sovietes.
Não são só os gramáticos que discutem: também os generosos internacionais fazem o mesmo...