Fonte: Jornal do Brasil, de 25/02/1972.

Artista, tendo sua imagem e seu nome constantemente diante do público, recentemente desquitado, morando em pequeno apartamento no qual se reencontrava com sua personalidade de solteiro, ele recebeu 500 contos por um trabalho extra e ia andando feliz, no centro da cidade, saboreando aquela tonteira que dá na gente quando uma boa bolada cai, por assim dizer, do céu. Nisto deu de cara com uma loja que estava em liquidação porque ia mudar de endereço. E na loja viu uma geladeira linda, anunciada por 400 contos. Entrou, comprou, pagou, gastou 100 contos numa boate e na manhã seguinte foi acordado pelos homens que traziam a geladeira.

Por seis meses ou mais, a geladeira funcionou maravilhosamente. Mas ele esqueceu que é preciso desligar a máquina de vez em quando, sobretudo quando se anda a viajar pelo Brasil, por força da profissão que se escolheu. E assim, uma bela tarde, voltando de São Paulo, verificou que a geladeira havia pifado. Falou com a arrumadeira e ela informou:

– Aqui no quarteirão tem um moço que é pintor de paredes e que tem um irmão que é consertador de geladeiras.

Convocado, o consertador apareceu com uma pequena pasta de couro, deu uma olhada na geladeira, entregou um cartão de visitas ao artista e declarou:

– Minha visita custa 50 contos. Agora, o conserto propriamente dito fica por 300. 

– Mas meu amigo, assim não é possível – respondeu o artista. – A geladeira novinha em folha me custou 400 contos. O defeito que ela apresenta eu sei qual é: um simples curto-circuito. Ora, o senhor não vai querer me cobrar 350 contos apenas para mudar uma lâmpada.

– O meu preço quem faz sou eu – disse petulante o técnico, que era um mulato magrinho, simpático e atrevido. O senhor paga se quiser. Agora, a minha visita é 50 contos.

– Alto lá – replicou o artista. – O senhor é um trabalhador anônimo, que a gente só consegue localizar quando tem a aventura de morar no quarteirão onde o seu irmão pinta paredes. Ao passo que eu sou uma celebridade nacional, aparecendo todo santo dia na televisão e recebendo centenas de cartas de fãs. Se a sua visita vale 50 contos, o senhor há de pagar 500 por ter tido o prazer de me conhecer.

– O senhor pode ser muito engraçado lá para as suas negras – volveu o técnico – mas comigo essas coisas não pegam, não senhor. Vamos fazer o seguinte: o senhor já tem o meu cartão. Quando estiver disposto a pagar o combinado, é só me chamar que eu apareço.

– Falou.

15 dias depois, uma colega do artista lhe indicou um português como sendo o melhor e mais barato consertador de geladeiras do Brasil. O português apareceu trazendo também uma pasta de couro, foi logo entregando o cartão de visitas e pediu que lhe fosse mostrada a geladeira. Era um senhor grisalho, de aspecto manso e agradável, que possuía de fato uma cara de emérito consertador de geladeiras, e que se pôs de cócoras atrás da geladeira e logo deu um salto espetacular, gritando:

– Santo Deus! Sua geladeira não tem motor!

– O quê? – exclamou o artista.

– Sua geladeira não tem motor, meu amigo! – repeitu o bravo lusitano. 

– Mas como não tem motor? Zefa! Onde é que você está, Zefa!

– Estou aqui – responde Zefa, a arrumadeira, surgindo na porta da cozinha. 

– Zefa, onde é que está o motor da minha geladeira?

– O rapaz levou.

–  Qual rapaz?

– Aquele que veio aqui outro dia. O irmão do pintor.

Português, artista e arrumadeira se entreolharam perplexos. Finalmente o artista disse ao português:

– Vou localizar o malandro, pedirei de volta o motor e telefonarei ao senhor. 

– Perfeitamente – disse o outro.

– Zefa – ordenou o artista – diga ao pintor de paredes que eu preciso falar com ele.

O pintor apareceu, ouviu a história e ficou de trazer o irmão no dia seguinte. E no dia seguinte... os acontecimentos se precipitaram, mas isto eu só vou contar domingo que vem, pois meu espaço terminou.

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