Fonte: O poeta e outras crônicas de literatura e vida. São Paulo, Global, 2017, pp. 83-84. Publicada, anteriromente, na Revista Nacional, de 10/04/1988.
Hélio Pellegrino morreu em 23/03/1988. Esta crônica foi escrita por encomenda de Zuenir Ventura, chefe da sucursal carioca da Isto É, e publicada na edição da revista em que se noticiou o falecimento de HP, sob o título "Nunca vi tanta mulher bonita".
A capela Real Grandeza, junto ao cemitério São João Batista, em Botafogo, Rio, tem um ar de repartição burocrática meio sórdida. Mil vezes já fui ali a velar amigos e criei uma aversão por aquele depósito comercial provisório de defuntos.
Mas como não ir ver Hélio Pellegrino?
Tive a misteriosa compulsão de botar sapatos com meias e, o que é pior, um paletó escuro, e isso só fez aumentar o calor que senti entre a multidão no andar de cima.
Fiquei meio tonto de calor e de ver caras conhecidas que ia cumprimentando sem saber direito quem eram; até me lembro que olhei para um rosto lindo e suave de mulher, olhei com um ar tão pateta que ela se apiedou e disse, como em segredo: “Eu sou Dina Sfat, Rubem”. Havia médicos, jornalistas, escritores, políticos, artistas, mas o que havia principalmente era mulher chorando. Elas não são fáceis de reconhecer. Ou trazem óculos negros enormes ou têm a cara sem pintura ou com a pintura devastada pelas lágrimas; de qualquer maneira têm uma expressão diferente da usual; e houve mais de uma conhecida que ao me ver – um senhor gordo de cabelos brancos – se abraçou comigo e me beijou a cara como pedindo proteção. Que misteriosa sensação é esta de ver mulheres chorando, mais femininas naquele momento de fraqueza? Eu gostaria de conversar sobre isso e outras questões de amor e morte com uma pessoa ao mesmo tempo imaginosa e lúcida, mas essa pessoa estava metida num caixão em uma capela onde sequer cheguei a entrar e se chamava Hélio Pellegrino.