Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 14/11/1961.

Cecília Maria.

Adorei sua carta; merci. Mas faltou endereço para a resposta.

Não gosto de conversar com os leitores através do jornal. Escrevo indistintamente para todas as pessoas, razão pela qual elaborei um estilo extremamente objetivo; se me confesso em cada frase, são confissões sobre assuntos gerais; nunca fiz confidências em público. Ora bem ¬– se um leitor deseja opinar a respeito dos meus textos, e me escreve uma carta, fico alegre ou triste (conforme a opinião do signatário a meu respeito) e escrevo logo uma longa resposta. Depois, impaciente, interrogo o escaninho: chegou nova carta? Abrir um envelope, receber notícias, saber o que os outros pensam a respeito dos mais variados assuntos, eis o que me agrada acima de tudo. Um dia, quando tiver muito dinheiro, escreverei apenas epístolas: serei um escritor clandestino. O pessoal publicando livros, crente que está abafando, e eu garantindo o meu encontro com a posteridade da maneira mais discreta possível! Oh! Como compreendo o Professor Sobral Pinto – como observo com inveja a expectativa com que os meus companheiros da imprensa aguardam uma carta dele? A literatura postal oferece liberdade absoluta; basta dizer que um exagero de metáforas, uma série de afirmações demasiado categóricas, ou então uma sequência de observações ligeiras sobre temas cruciais, tudo isto que em público é considerado fracasso ou erтo nas cartas recebe um nome encantador: espontaneidade.

Ai de mim! Não tenho bastante dinheiro para ser espontâneo. Tenho que aliciar o público: quando sou sincero, me chamam de afetado; quando sou cândido, acusam-me de tolo; quando amo e o proclamo aos quatro ventos, reclamam que estou atravessando uma fase muito sentimental. Tudo isso, com o tempo, suscita uma personalidade severamente policiada: só nos dispomos a escrever sobre aquilo que vos agrada a vós, cruéis assinantes e leitores avulsos. O coração, que é bom, e que oscila perpetuamente entre o júbilo mais furioso e a aflição mais pardacenta, este fica bem quietinho atrás das palavras, esperando a ocasião de derramar-se, que não chega.

Cecília Maria:

Você diz inicialmente que só agora teve coragem de me escrever, e termina manifestando o temor de me estar aborrecendo. Mas a generosidade aborrece? E um elogio aqui, outro ali, são coisas que aborrecem? Não a mim, pelo menos: não sei como são os outros cronistas, mas eu sou muito vaidoso. Quando um leitor telefona ou escreve, respondo imediatamente com palavras calculadas para ratificar a simpatia recíproca. Uma vez recebi uma carta, a primeira em toda a minha vida: alguém tinha lido um conto meu, publicado no Suplemento do JB, e ficara entusiasmado. “Enfim, um leitor!” – exclamei. E providenciei logo uma longa missiva em resposta, enquanto pensava: “Este eu não largo, não troco e não vendo. Este leitor, demais escribas do país, me pertence”. Ato contínuo, larguei o verbo, e acabei estabelecendo longa e harmoniosa amizade.

Isso aconteceu quando eu vivia o sonho dourado dos 20 anos, acreditando, entre outras coisas, que mais cedo ou mais tarde receberia o Prêmio Nobel... Mudei um pouco: não muito. Tanto que, depois de ler sua carta, Cecilia Maria –, comecei a bolar uma crônica que... Fernando, Rubem, Paulo, Carlos, Sérgio, Henrique e Cia.! Cuidado comigo, pois tenho uma crônica na cabeça que – oh! não direi; para falar numa gíria bastante atual, trata-se duma crônica de 100 megatons, que está sendo elaborada no meu campo de provas interiores. Por enquanto, contentai-vos com este aviso de amigo: CUIDADO.

jose-carlos-oliveira
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.