Há duas formas de andar: com o espírito claro e com o espírito enfermo. Já andei neurótico; marchava quilômetros e quilômetros como a fugir dos sentimentos e pensamentos que então me perturbavam, mas eles me seguiam, me arranhavam, escureciam meus olhos. Agora, não; agora ando claro, é um exercício, uma medida de higiene. Primeiro sob as amendoeiras, no Posto 6, onde os banhistas jogam vôlei e os pescadores arrumam suas redes. Depois, ao longo da avenida Nossa Senhora de Copacabana, principalmente num sábado pela manhã, quando centenas de mulheres de todas as idades percorrem as lojas, os mercados, as feiras, em grupos ou sozinhas. Entro numa sapataria onde há uma botina que me agrada, mas o estabelecimento anuncia uma liquidação. Impossível fazer o meu pequeno negócio naquela confusão de comerciários que abrem as caixas, e de crianças que experimentam sandálias, e mocinhas que entregam o pé ao rapaz agachado... Mais parece uma festa, e todos estão felizes – os vendedores porque estão vendendo mais do que habitualmente, as compradoras porque imaginam estar comprando abaixo do preço, o gerente porque os lucros serão mais do que razoáveis: Há nas liquidações uma lei segundo a qual as mulheres é que se sentirão estimuladas a comprar; as mulheres se sentem bem em multidões femininas, interesseiras, enquanto os homens, creio eu, só se amontoam em estádios ou bares, lugares em que não há problemas de oferta e procura.
Reconheço que as feiras-livres criam uma série de problemas desnecessários e provocam um desgaste nervoso nos cidadãos já mais do que estraçalhados pelas distâncias engarrafadas, os ônibus superlotados, os buracos que se multiplicam, a falta de dinheiro, a guerra do Vietnã... Mas é bastante agradável andar pelo interior de uma feira-livre, apreciando os gêneros expostos nas barracas, ouvindo os mais diversos comentários, discernindo pequeninos dramas familiares e sociais no comportamento da madame com relação à pretinha encarregada de puxar o carro do bebê, flagrando um pivete no ato de contemplação amorosa de uma bolsa esquecida aberta no braço da mocinha generosamente delineada por uma calça Lee... As mulheres são belas ao meio-dia de sábado, antes que os cabeleireiros transformem suas jovens cabeças em esculturas grotescas. Saem sem pintura, com roupas modestas, sandálias abertas, e em cada rosto se desenha aquela curiosidade intensa, ardente, quase sexual, que empolga as mulheres em face de um artigo a ser comprado. Elas estão mais perto da realidade do que nós, machos abstratos e longínquos; elas olham o tomate de igual para igual, mantendo-se ao nível da percepção verdadeira, de que nós homens temos nostalgia.
Quilômetros e quilômetros de andança alegre e atenta. Volto para casa cansado e enriquecido de sensações.