Fonte: Jornal do Brasil, de 8/04/1971.
Ele é norte-americano. Sociólogo. Dá aulas na Universidade de Wisconsin. Seu nome: E. Lamasters. Na revista O Impacto da Ciência na Sociedade, editada pela UNESCO, Mr. Lamasters diz algumas frases que me soaram bastante desagradáveis. Saiu nos jornais:
— As mulheres atingiram uma situação de paridade com os homens que as transformou numa força poderosa. Perdendo a supremacia sobre a mulher na sociedade, o homem entrou em crise, transformando-se de rei da espécie em bobo da corte. Ao cair de sua posição dominadora, os progenitores masculinos sofreram uma síndrome comum: estão famintos de amor, manifestando desnutrição emocional crônica e pouco capazes de produzir a espécie de jovens de que o mundo carece.
Essas palavras, como é natural, me deixaram deprimido. Achei que estava mais do que na hora de tomar um uísque, ou melhor, três. Entrando no bar de sempre, deparei com o velho Mateus. Velho é maneira de dizer: debruçado no balcão, mostrava um rosto jovem (40 anos), queimado do sol, enfeitado por um sorriso verdadeiramente luminoso.
— Bom dia, amizade! — exclamou ele. Sentei-me ao seu lado.
— Mas que cara é essa, santo Deus. Que saudade! Você parece um menino.
— Mas eu sou um menino, amizade — disse ele.
— E Marília, como está?
— Maravilhosa.
— Excelente notícia. Quando nos encontramos pela última vez, lembra-se? Você estava numa fossa daquelas.
Mateus mostrava agora um sorriso empanado por uma estranha tristeza, mas logo voltou a ser o homem radioso que estava ao meu lado. Pôs-se a falar serenamente, já agora bebericando comigo o uísque que tranquiliza e consola:
— Foi uma crise terrível, rapaz. Meu casamento até então era um mar de rosas. Acontece, porém, que Marília primeiro alcançou uma situação de paridade comigo; depois, me ultrapassou. Perdi a supremacia sobre ela, compreende? Você sabe que sempre fomos colegas de trabalho. Nosso namoro começou na agência. E de repente eu continuava um mero publicitário, embora competente, e ela já era vice-presidente. Quando pretendia falar com minha esposa, havia sempre uma secretária com esta frase na ponta da língua: “A sra. vice-presidente está em reunião. Não pode atender ninguém.”
Compreende? Eu me transformara de profissional respeitado em marido da vice-presidente. De rei da espécie, passara a bobo da corte. Voltava do trabalho no meu fusca e, no Aterro, era ultrapassado por Marília, que vinha num Itamarati com chofer e ar condicionado.
— Pobrezinho — disse eu.
— Pois é. Um pobre coitado. Dei para beber, minha produtividade desceu a zero, fiquei com ódio e inveja de minha querida esposa. Consultei um psicanalista e ele foi curto e grosso: “O senhor está com fome de amor. Sua desnutrição emocional é crônica. São os tempos, meu amigo, os novos tempos. Sobre esse fenômeno, o dr. Freud não tem controle”.
— Desiludido até pela psicanálise! — exclamei. — Que catástrofe! E depois?
— Ah — suspirou Mateus, com o rosto ainda mais resplandecente. — Quando vi que não havia mais solução alguma, tive uma conversa franca com Marília. Disse-lhe que aquilo não podia continuar. Que a solução seria o desquite, ou então…
“Ou então”, disse ela, “vamos nos adaptar aos novos tempos. Eu ganho o suficiente para sustentar nós dois e as crianças. Não há nenhuma razão para você continuar trabalhando”. Assim, pedi demissão. Hoje sou um homem desempregado, um homem livre. Nada me falta. Marília me dá casa, comida, roupas. É verdade que lavo a louça, e dou banho nas crianças, mas isso apenas para não ter uma sensação de inutilidade.
— Quer dizer que vocês conseguiram superar o problema da paridade? — perguntei, já conhecendo a resposta.
— Claro — disse Mateus. — O lugar do homem é no lar. De vez em quando dou minhas fugidinhas, assim como hoje, mas é muito raro. No terceiro uísque me lembro que já não sou um rapaz solteiro, que sou um senhor casado, e volto para casa. Aliás, já está na hora. A vice-presidente quer passar a Páscoa em Petrópolis e eu tenho que arrumar nossas malas. Adeus, amizade.
— Adeus, madame — respondi, mas foi sem querer.