Um dos prazeres do nosso tempo — ou uma das obrigações — é viajar. Viver viajando. Já não se compreende mais ninguém em casa: é feio, é inconfortável. Parece que ao nascer o indivíduo recebe um monte de prospectos de agências de turismo e tem de cuidar imediatamente do passaporte. Inútil procurar nosso amigo em seu domicílio: a empregada informa-nos que acabou de seguir para Miami. Quando volta? Não volta. De lá segue para Francoforte. E daí regressa ao Brasil? Quem sabe — diz a cara silenciosa da empregada. O que se sabe é que estão todos partindo ou já partiram ou pensam em partir. Para que é, mesmo, que se fez o Plano Nacional de Habitação ? Mais prático seria multiplicar os aeroportos, as rodoviárias, aumentando a comodidade do embarque....
Encontro uma garota de 15, e ela veio de Londres, passou dois anos na Europa, vai passar seis meses no México. Dois anos: ao partir nem era mesmo uma garota, era projeto de. Agora tem olhos experientes de quem viu o mundo, embora não me diga nada do que viu. Os viajantes modernos não abrem a boca para contar. Ao contrário dos antigos, os clássicos que contavam demais, depois de nos mandarem cartas, postais, fotos, que de certo modo nos faziam participar da viagem ou nos consolavam de não participar. Pois agora são tumulares, ou porque temos obrigação de viajar também, ou porque viajar passou a um modo de não ver coisas, isto é, de simplesmente passá-las em revista, como o general que assiste ao desfile da tropa e não distingue os soldados. Uma dessas noites, senti-me infeliz de 3º grau, numa roda em que todos tinham vindo da Itália ou da Jamaica, embarcariam no dia seguinte para Israel ou lembravam encontros que tiveram uns com os outros em Marrocos. Como se tivessem saído do Posto 6 para se encontrar em Marrocos — sem ser de propósito. Procurei saber como é Marrocos. Não me explicaram: tinham estado lá de viagem, como poderiam saber?
Então decidi viajar também, não mais à roda do meu quarto, como o velho Xavier de Maistre, ou do meu crânio, como o húngaro Frigyes Karinthy, mas viajar na viagem dos outros que contaram alguma coisa. A partir de hoje, irei tomando conhecimento do que escreveram viajantes do tempo em que os viajantes escreviam contando coisas, depois de as terem realmente visto, e não simplesmente passado em revista. Pouco afeito a deslocamentos no espaço e a trâmites aduaneiros e policiais, satisfaço-me sem incômodo e despesa. E cumpro a meu jeito o destino atual de viajar sempre e cada vez mais, porque esta é a pedida, a ordem, o dever turístico a cumprir. Ler as relações de viagens passou a ser a única maneira razoável de viajar, depois que os jatos expuseram tudo à contemplação de todos, tornando quase impossível o gosto individual de descobrir e de fruir a descoberta. O diálogo entre o sítio e o visitante perdeu o caráter de encontro pessoal. É uma operação de massas, de consumo rápido, em cadeia. Ah, Marco Polo, ah, Fernão Mendes Pinto! Se vocês embarcassem no módulo lunar, diriam tudo em poucas palavras ao microfone, e perderíamos suas fábulas e aventuras mirabolantes.
Não sou egoísta, porém, mais do que viajar sem passagem irei repetir aos leitores igualmente não viajores o essencial de tudo, para que também eles adiram a esta peregrinação imóvel. Até a próxima.