Fonte: Livro aberto, Record, 2001, pp. 202-203. Publicada, originalmente, no Jornal do Brasil, de 26/06/1960.

– Papai, quem é aquela mulher que estava conversando com você?

– É uma amiga de seu pai. Por quê?

– Esquisita...

– Esquisita como, meu filho?

– Não sei, Diferente. Tudo nela é diferente. De longe parece alta, mas quando você chegou perto eu vi que não é tanto. Que é que ela faz?

– Ela é artista: pinta, desenha...

– Bem que eu vi que ela fazia essas coisas. E quem é aquela menina que estava com ela?

– É filha dela.

– Coitada daquela menina.

– Por quê? Você não achou ela bonita?

– Ela quem? A menina ou a mãe dela?

– Bem... A menina.

– A menina eu não reparei. Agora: a mãe dela é bonita, mas sabe de uma coisa? Eu é que não queria ter uma mãe assim.

– Assim como?

– Diferente da mãe da gente. Que faz essas coisas: que pinta, que desenha, que escreve. Essas coisas.

– Que escreve também Pois seu pai...

– Pai é diferente. Mãe é que fica esquisito.

– Mas esquisito por quê?

– Ora, papai, você também não entende! Ela fica agitada.

– Pois essa minha amiga é tão calma, você não achou?

– Não achei não. Ela não parece, mas é muito agitada. Fiquei reparando quando você me deixou aqui esperando e foi falar com ela. De longe é que a gente vê. De perto a gente só vê o corpo.

– E de longe?

– De longe é que a gente vê por dentro. Por fora não parece não, mas por dentro aquela sua amiga é muito agitada. Não sei... Tem dentro dela uma coisa que pula.

– Uma coisa que pula...

– É! Uma coisa que não deixa ela ficar quieta. Eu, por exemplo, quando fico assim, saio pulando mesmo e logo passa. Ela não: ela não pode sair pulando. Deve ser muito triste, não é, papai?

fernando-sabino
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.