Fonte: Caderno B, Jornal do Brasil, de 3/05/1974.

Justamente no Dia do Trabalho somos informados dramaticamente de um problema social que foi amadurecendo à sombra de nossa preocupação. Agora está maduro e há que enfrentá-lo. Dizem-nos: qualquer homem, a partir dos 35 anos de idade, precisando trabalhar, não encontra ocupação. O mercado de trabalho, que se manifesta nos anúncios, sugere que devemos ter entre 20 e 35 anos, não mais.

Comemorei o dia 1º de maio batendo papo, às dez horas da manhã, com um homem que se chama Rodrigo, fez 42 anos de idade em janeiro e estava tomando sol na praça.

— Então, Rodrigo? Como vai a vida? 

— Ah, a vida vai assim assim.

— Ouvi dizer que você entrou em conflito com os seus chefes e agora anda à procura de trabalho.

— É isso. Me mandaram embora. Me deram um dinheirinho, a que eu tinha direito, e agora estou aqui sentado na praça, tomando sol.

— Os jornais estão dizendo que para você não há mais oportunidades…

— Isso mesmo. Passei a minha vida dando duro e agora estou aqui, tomando sol na praça…

— Mas não tem planos para o futuro?

— Tenho, sim. Vou lhe confessar que tenho um plano mirabolante. Pretendo comprar uma motoca (a prestações, naturalmente) e sair por aí, com a minha mina na garupa, sentindo o vento nos meus cabelos brancos... Já que ninguém me aceita com os meus 42 anos, estou decidido a regredir aos meus 19... Leia na Manchete, meu caro: “é dos coroas que elas gostam mais”. Ao menos a minha sensualidade ainda encontra quem se interesse por ela. Assim, conduzindo a minha motoca, durante algum tempo terei a ilusão de estar vivo. Trabalho eu não tenho: sou um intelectual que passou a vida pensando tolices lucrativas; eu não lucrara quase nada, apenas botava a minha cabeça para funcionar no nível do consumidor médio... Me humilhara, fazendo aqueles anúncios, apregoando os bens de consumo... Era toda a minha vida, embora meus dois filhos ainda hoje me desprezem um pouco por causa disso.... Eles não sabem que por causa deles foi que entrei nessa confusão... E agora são eles, os meus filhos, que querem o meu lugar... Não propriamente os meus dois, mas aqueles que estão na mesma faixa de idade, e que foram criados por mim na ilusão dos bens de consumo....

— Meu Deus! Que fossa federal!

— Isso — prosseguiu Rodrigo. — Uma fossa federal. Assim me vê você, e assim me encontro. O mercado de trabalho fechou-se; as crianças cresceram e têm prioridade, por causa do estilo jovem de viver que eu mesmo ajudei a inventar... Minha experiência, e não o meu valor, é que ainda pode me dar um lugarzinho na sociedade... Veja você: minha experiência, ou seja, o desgaste a que me submeti durante todos esses anos…

— Mas a solução seria...?

— A solução — volveu ele, com lágrimas na voz — a solução... Seria que todo aquele que tem apenas 20 anos não desejasse com tamanha sofreguidão ocupar o seu posto na fábrica de trituração... Eu, quando tinha 20 anos, não dava a menor pelota para o nosso PNB... Mas essa é uma solução de alto capitalismo: o lazer. Nós não podemos ainda ficar sentados, a não ser com lamentações, como eu estou fazendo agora…

Fui-me embora. Deixei o velho Rodrigo tomando sol, na ignorância plena de seu destino. Minha preocupação atual, dominante, se encaixa com muita clareza no sofrimento dele. Mas ninguém deve pedir para ser o que sempre foi... Pedir para alcançar aquilo que já alcançou, apenas porque as crianças estão crescendo muito depressa…

jose-carlos-oliveira
As crônicas aqui reproduzidas podem veicular representações negativas e estereótipos da época em que foram escritas. Acreditamos, no entanto, na importância de publicá-las: por retratarem o comportamento e os costumes de outro tempo, contribuem para o relevante debate em torno de inclusão social e diversidade.