Jean Arthur Joseph Nicholas Rimbaud — era assim por extenso que o chamávamos. Que gritávamos por ele. Podia até não estar na ordem correta o nome com que o batizou a severa Vitalie. Mas era como um grito de guerra. Uma palavra de passe. Um código. O grande poeta coincidia com o maravilhoso personagem, na invenção dos próprios versos como na transgressão das regras alheias. O rebelde, o desassombrado revolucionário que saiu de Charleville e foi espiar de perto, nas ruas de Paris, a grande convulsão social.

O visionário voltado para o futuro coincidia com o menino-prodígio que fazia versos em latim. O terno irmãozinho de Isabelle. Nasceu assinalado e muito cedo teve consciência de sua singularidade. O gênio precoce tinha pressa. Quem tivesse um mínimo de sensibilidade logo percebia o fogo sagrado que ardia dentro dele. Simples colegial, desperta a admiração e a amizade do professor Izambard, cujo nome será perpetuado como o de um nume tutelar.

Profeta, Rimbaud está aberto a todas as tentações. Todos os caminhos passam por ele. O bom menino católico, bem-comportado, precisa afirmar a inquietação que o consome. “Mort à Dieu” escreve pelas paredes, para se libertar do peso de uma educação que o sufoca. Não lhe basta a poesia que logo o denuncia como um eleito. Precisa desafiar a vida e correr todos os riscos. Místico e mistificador, do reino do sagrado passa ao campo do esotérico.

Em Paris, com Verlaine, toma forma o mito. Ninguém suporta a companhia do vidente que assentou a beleza nos seus joelhos e a injuriou, amarga. Londres, Bruxelas, de novo Charleville e Paris de novo. Por onde passa esse barco bêbado, passa um rastro de loucura. Até onde o poeta tem de ser esse maldito que leva o “pauvre Lélian” ao desespero e à perdição? O iluminado prossegue o seu estranho itinerário, com sua obrigatória estação no inferno. Até o silêncio na África.

O escândalo feito gente, Rimbaud encerra toda sorte de contradição. Ímpio, Claudel o lê e se converte de estalo. Foi a influência capital que sofri, escreve Foucault depois de ter optado pela santidade. E Breton! E tantos, tantos, até chegar a nós em Minas. A toda a maçonaria brasileira dos amigos de Rimbaud. Cem anos após a sua morte, o poeta ainda nos desafia e nos dói. Seus versos o trazem de volta, inteiro. Mas sinto falta do adolescente que fui um dia e o descobriu, deslumbrado. Saudade. Quem sabe remorso.

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