Eu não tenho o direito de enjoar a bordo do Brasil. Não sou passageiro de primeira viagem. Foi o que disse, quando ontem me perguntaram se não estou em pânico. Depois mudei um pouco o sentido de “enjoar”. A esta altura da vida, já vi tantas vezes esse filme que até tenho o direito ao enjoo. Enjoo no sentido daquele acesso de tédio que acometia o Afonso Arinos, em momentos de crise nacional aguda.

Mesmo investido de mandato popular, deputado ou senador, o Afonso tinha que lutar contra o sono. Mas não conseguia segurar o bocejo. Digamos que vai nisto um pouco de piada. Mas que dá um tédio medonho, ah isto dá. Você agora vê, por exemplo, esse corre-corre por causa do ouro e do dólar. Até onde o povo, o povão anônimo, tem a ver com isto? Acaba chegando lá, claro, no casebre do pobre. Ou pior: já chegou, com a perda salarial e o mais.

O pânico é um medo irracional, sem razão. Contagioso, se espalha como se alastra o fogo. Basta um boato e está aceso o rastilho de pólvora. Ninguém sabe por que, nem como é que começou. Se alguém grita calma, calma!, aí é que o susto se amplia e provoca o estouro da boiada. Ontem, foi o dia das bruxas. O halloween teve origem na Irlanda. Na última noite do verão, no hemisfério norte, 31 de outubro, os mortos andam soltos e agarram o primeiro que bobear. É uma antiga superstição.

Séculos depois, na era da conquista do espaço, corre o boato em Nova York de que haverá um massacre. Se deu no The New York Times, e deu, aí então é que a doideira anda solta. E com ela as bruxas. Há um código de comunicação curioso em certas situações. Quando você ouve um amigo lhe dizer vou lhe falar francamente, está claro que lá vem pedrada. Agrado é que não é. Na hora do alarma, se um cara lhe diz calma, você sai correndo.

Ainda bem que aqui temos o Marcílio. Todo mundo afobado e ele impassível garante que a turbulência é só até março do ano que vem. Podemos continuar até lá dançando ao som da orquestra do Titanic. Mas ontem, para mim, foi é o aniversário do Carlos Drummond de Andrade. Saudade do Carlos. Nasceu no dia das bruxas, em 1902. 40 anos depois escreveu o poema “A bruxa”. Bruxa era a mariposa, que lhe fez companhia numa noite de solidão. “Certo não é vida humana, mas é vida” ― diz o poeta. Que mané pânico coisa nenhuma. Vamos ler os poetas e esperar. O Brasil não vai acabar.

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