Não parece, mas é o mesmo país. O jovem Brasil dos caras pintadas, da euforia dos 441 votos — e o Brasil do massacre. São tantos os mortos, que nem se sabe o número certo. Concomitante, o Brasil foi às urnas como quem vai à festa. Uma boa parcela, inapetente, não se moveu. Absteve-se, ou preferiu anular o próprio direito. Tudo bem. Vem aí o segundo turno e na certa a competição acirrada empolgará os partidos.

Como o avião que caiu no subúrbio de Amsterdã, a carnificina da Casa de Detenção é dessas coisas que não deviam acontecer. No presídio, não há caixa-preta, como no Boeing. Ou talvez haja e escusa abrir. Não é preciso ser perito pra saber no que pode dar essa promiscuidade. Meter 7.200 homens num espaço previsto para 3.300. Fossem monges, ou freirinhas, e nem um louco esperaria que dali saísse um hino à vida. Um ramalhete de virtudes.

Curioso, o país da impunidade. Não tem lugar pra tanta gente presa. Isto em São Paulo, num presídio moderno. Vá você a um xilindró qualquer. No Rio, em São Paulo, por aí afora. Eu já fiz essa experiência. Dostoievski vira um escritor cor-de-rosa, com a sua Casa dos mortos. Camilo Castelo Branco e Graciliano Ramos se convertem em autores para antigas mocinhas do Sion. Carandiru dá vontade de não pertencer ao gênero humano.

Importamos e traduzimos o white collar. Já é um progresso, em relação à coleira e ao garrote, à polé e ao tronco. Veio do primeiro mundo, por oposição ao blue collar. O colarinho azul do operário por lá, bem nutrido, direitos assegurados. O colarinho branco é o executivo, outro anglicismo. Ou o burocrata do escalão superior. O boa-vida que só pensa em mordomia. O impeachment seria o divortium aquarum. O Brasil de antes e o Brasil de depois do “white Collor”.

Mas entre o antes e o depois, a tarefa é gigantesca. Não há passe de mágica. O Boeing de Amsterdã pode ter sido derrubado por aves migratórias nas turbinas. Pioneiras, estão no céu primeiro. Pequena causa, grande efeito. A tragédia começar num pássaro, quem diria, dá o que pensar. Do céu ao inferno. Como e onde começou a carnificina de Carandiru? Nesse regime carcerário que não devia existir. Fábrica de criminosos. Há quanto tempo a gente sabe disto! Está na hora de acabar com essa monstruosidade.

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