Uma vez Rubem Braga foi a um velório e ficou impressionado com o número de moças bonitas que viu por lá. Todas choravam copiosamente. O sabiá da crônica era amigo da falecida e de seus parentes. Triste, fazia questão de mostrar a sua dor. Entrou na capela, espiou de longe o esquife, mas se retirou logo. Estava encabulado de não saber chorar daquela forma tão comovente. Patética mesmo. Fora da capela, viu mais lágrimas. E outras faces de luto e mágoa.

Está bem que chorassem. Ou arrancassem os cabelos, com esgares de carpideira. Mas por que tanta mulher bonita? Não pertenciam à família, que aliás nem era das mais bem-dotadas. Um comício de moças bonitas num velório! Durma-se com um barulho desses. A princípio intrigado, o Rubem passou depois a uma espécie de irritação. A sua sobriedade sentimental estava ficando mal diante daquela choradeira. Moças lindas fungando, se assoando, soluçando.

O cronista afinal se retirou e foi almoçar com dois amigos. Só então se deu conta de que não tinha conseguido manifestar o mínimo sentimento de pesar pela morte de sua querida amiga. No restaurante, todo mundo percebeu que o Rubem estava num dia favorável. Quase sempre macambúzio, trazia um semblante de tal júbilo que até o garçom ousou lhe perguntar se tinha visto passarinho verde. Se no aperitivo já estava alegre, no primeiro prato se abriu em jovial exuberância.

Foi um dia inesquecível. O almoço se prolongou como uma regata dominical. Despidos de cuidados e preocupação, os corações se alvoroçaram. Nenhuma sombra de inquietação. Só se falou de assunto frívolo. Miudezas do dia, que ao contentamento da mesa acrescentava uma pitada de bem-vinda malícia. Mais um pouco e a mesa já não comportava tanta gente risonha e feliz. Foi quando um recém-chegado se lembrou de citar Machado de Assis. 

Um repelão de horror correu a roda. Logo Machado! Mas a citação até que calhava. A última palavra do Bruxo, ao morrer: “A vida é boa”. Boa? Ótima, esplêndida, magnífica! Estes e outros adjetivos nem precisavam ser articulados. Estavam no ar. E alimentavam a fornalha da euforia geral. Seja a citação machadiana, ou seja o que for, o fato é que Rubem só então se lembrou de resmungar de onde vinha. De um velório? De um velório, sim, senhor. Agora é que a patuscada redobrou de entusiasmo. E era um rir sem conta. Imaginem só: de um velório! O próprio Rubem engasgou de tanto rir.

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