Periódico
Folha de S.Paulo

Publicada no livro Bom dia para nascer, Companhia da Letras, 2011.

Taí uma coisa de que eu gosto: é bilhetinho. Sou grafomaníaco. Meu pai também era. Se minha mãe bobeasse, meu pai enchia a casa de bilhetinhos. Bem dizia o Pedro Nava: não adianta querer fugir do recado genético. Não passa um dia sem que eu escreva o meu bilhetinho. Ou vários. E os colo por todo lado. De preferência no espelho. O sujeito dentro de casa pode evitar um monte de coisas. Mas lá tem uma hora que vai ao espelho. Narciso fala alto.

Quando minha casa foi assaltada pelo Maurinho Branco, a notícia saiu no jornal. Xeroquei a notícia ampliada e preguei na porta da rua com um aviso: “Atenção: já fomos assaltados por profissional competente. Não temos joias, nem ouro, nem dólar. Vá em frente e boa sorte”. Minha filha achou a própria cafonice e retirou o aviso da porta. Só faltei indicar alguns endereços, fruto do meu espírito de cooperação nesta hora difícil para todos. Ou quase todos.

O Jânio foi quem popularizou essa moda do bilhetinho. Escrevia num estilo precioso, quase pedante. Mas sem solecismo. O pioneirismo do Jânio foi mais na divulgação. O bilhete era marketing. Passava pito de público em todo mundo. E se mostrava enérgico, mandão, pelo menos da boca (ou da pena) para fora. Não escrevia. Ditava à dona Fortunata. Podem perguntar ao Zé Aparecido. Mas outros presidentes também escreviam bilhetinho. Rodrigues Alves não passava um dia sem redigir os seus. O Getúlio também escrevia. E escreveu até na hora da morte.

Como grafômano, sei que esta mania implica riscos. Às vezes você é apanhado num ímpeto e manda brasa. Sai com o sangue quente. Não há tempo para reflexão. No meu caso várias vezes já aconteceu isto. É uma sorte quando dá para perceber e a gente rasga. Aí faço outro com calma, ou não faço. Dormir 24 horas em cima de um rompante é sempre bom, sobretudo para quem, sendo autoridade, pode fazer o mal com uma simples penada.

Vejam, por exemplo, o bilhete do Collor ao Cláudio Humberto. Começa com um bruto solecismo: os desdobramentos da votação “chama-me” a atenção. Eu podia indicar no texto outras nugas e rusgas. Mas basta este erro flagrante de concordância. Se o predicado não concorda com o sujeito, como é que se vai chegar a um acordo? O entendimento nacional reclama linguagem clara. Palavras adequadas e correção gramatical. Do contrário, a crise se agrava e a vaca vai pro brejo. E nunca mais que sai.

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