RIO DE JANEIRO Era uma sexta-feira como outra qualquer. De uns tempos pra cá, o sábado começa na sexta-feira. O sábado é uma ilusão, disse o jardineiro português à mãe do Nelson Rodrigues. Pequenino e cabeçudo como um anão de Velásquez, o Nelson tinha cinco anos. Nunca mais esqueceu a frase iluminada por uma centelha de poesia. Minha senhora, o sábado é uma ilusão. E o jardineiro empurrou o chapéu para trás.

Vejo o casal que vai partir para a noite de sexta-feira e ouço, inquieto, essa remota advertência. Um casal ajustado, vê-se. Terá dois filhos. Um menino e uma menina. A vida tranquila, apesar de tudo. Bonita, nos seus trinta e poucos anos, ela é arquiteta, imagino. Três ou quatro anos mais velho, ele deve ser engenheiro. Ou médico. Ou professor. Exala certeza. Um casal estável, diante da noite e suas promessas.

O melhor da festa é esperar por ela. É a expectativa que lhes dá esse halo de felicidade. O programa inclui dois casais amigos. Ela, produzida, elegante, os olhos e a boca em destaque. Ele tem o cabelo molhado, um toque de sua intimidade. E confia no que o espera. Depois da semana rotineira, o sábado já hasteia festiva a sua bandeira de concórdia e lazer. Vão.ser felizes, ele e ela, e o merecem. Estão na hora exata de ser felizes.

Deixaram as crianças com a avó. Ou têm aquela babá ideal, que não existe mais. Gente de sorte, esses dois. O carro é novo. Vi quando desceram e pisaram no chão. Pisam firme e sem pressa. Daqui a algumas horas, estarão de volta em casa. Meio cansados, meio insatisfeitos. Ele terá bebido dois drinques a mais. Ela terá dito uma palavra que convinha silenciar. Também pode ser que a noite se tenha dissipado na frustração. Ela volta amarga; ele, impaciente. Não, não foi isso que vi quando davam os primeiros passos para fruir os amigos e a noite. Iam calados, com o ar ausente da saciedade. Talvez levassem em segredo o germe da discórdia. Uma bonita moça, um sólido rapaz. Um casal unido e pronto para partilhar a mesma ventura. A mesma aventura. Afasto a hipótese sombria que me persegue. No fundo, sou eu que preciso dessa felicidade alheia. Dessa harmoniosa sexta-feira que não é minha. Deus vos acompanhe, em vossa trêfega disponibilidade.

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