Os ecos do Carnaval perturbam o silêncio da Quaresma. Já na Quarta-Feira de Cinzas Joãozinho Trinta ampliava o barulho e o debate. Escola de samba também é cultura. Sugiro que se discuta primeiro a palavra “genitália”. Era até há pouco um arcaísmo. Em desuso, recolheu-se aos cronistas antigos. Estava arquivada num quinhentista como Fernão Cardim. De repente, olhe aí “genitália” na boca do povo. E desfilando, vivíssima, pela televisão.

O vocábulo velhusco pode ter entrado pela porta da psicanálise, de sua vulgarização. Mas ganhou o mundo através da linguagem oficial. Sendo muito pudica, na hora de dizer o que pode e o que não pode ser mostrado, a autoridade policial embatucou. Foi aí, presumo, que apareceu a salvadora “genitália”. Entrou com ar solene, debaixo do manto científico. Já chegou, pois, travestida.

Vamos imaginar a reunião burocrática em que se redigia o regulamento destinado a preservar o pudor público. Dizer “aquilo” como? O pronome demonstrativo quebra o galho na hora de rir com o Chico Anysio. Ou até na explosão de ira retórica do Collor. Mas um regulamento policial pede mais formalidade. Terá sido aí que um gênio teve o estalo. Para dar a volta por cima do tabu linguístico, por que não “genitália”? Gênio e genitália têm aliás a mesma raiz. Tendo ingressado de penetra no regulamento, alcançou fácil o sambódromo. E foi dançar e pular na Marquês de Sapucaí.

Como é uma palavra de sentido abrangente, serve para os dois sexos. Ou para os três, quatro ou cinco. Quantos são mesmo? E é também uma palavra unissexual. Poucos modismos serão mais fortes agora do que o unissexo. A ecologia, talvez. Pois o Joãozinho podia ter dito que, além de eruditamente sexológica, “genitália” é também oportunamente ecológica. Andou perto, quando invocou a nudez genesíaca. Ou adâmica. O que não foi muito coerente foi botar depois a culpa no esparadrapo americano.

A perícia dirá a seu tempo, se possível antes do próximo Carnaval, se o esparadrapo tem ou não culpa no cartório. Terão recolhido o material? A Interpol poderá cooperar no que respeita aos Estados Unidos. De minha parte, sei que há aí um band-aid que não cola nem segura. Não aguenta samba nem marcha. Saindo do samba no pé para o pé da letra, é o caso de indagar se há esparadrapo capaz de tapar todos os órgãos que compõem a genitália. Masculina e sobretudo feminina.

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